A seara nova e a primeira repblica

A SEARA NOVA E A PRIMEIRA REPÚBLICA Não sendo especialista nesta categoria de temas, atribuo este convite, que me deu muito prazer, ao facto de ter sido redactor da revista Seara Nova na década de 1960 e de poder ter algum interesse para os leitores de hoje o conhecimento dos pontos de vista de quem participou na sua produção diária e nela partilhou responsabilidades de direcção. Abro três entradas para o tema proposto, as quais terão a ver com outras tantas 2/ Origens da Seara Nova no quadro cultural da Primeira República; Deste modo, julgo poder cobrir a primeira fase da acção da Seara, a qual, na minha leitura, os organizadores deste encontro situam entre 1921, data de fundação da revista, e Entre os instrumentos políticos de controlo do poder, a imprensa constituía na Primeira República um dos meios mais eficazes. A rapidez e constância da sua intervenção, a possibilidade de alcance de um público alfabetizado e, mediante a leitura colectiva, de um público analfabeto, qualificavam-na especialmente neste período histórico, tanto mais que não funcionavam ainda outros meios de comunicação de massa que pudessem reduzir-lhe a capacidade de influência. Por outro lado, os custos de produção de jornais ou revistas não seriam, possivelmente, muito elevados, permitindo ou, pelo menos, facilitando a respectiva fundação e manutenção. Haveria que avaliar este ponto, mediante a investigação do nível de salários dos tipógrafos, revisores, jornalistas, os preços do papel, os preços de aluguer das salas de redacção, etc. O estudo histórico-económico da imprensa portuguesa parece-me inteiramente por fazer. Quanto ao grupo da Seara Nova, conhece-se a sua composição inicial mas desconhece-se a constituição e primeiros passos da empresa, a sua evolução ao longo das diversas fases. Posso testemunhar que dispôs de uma tipografia, situada na Rua da Rosa, por debaixo das instalações da redacção. O equipamento dessa tipografia foi posto à venda em determinado momento de crise, sob a administração de Luís da Câmara Reis. Conheci o tipógrafo que foi o seu avaliador por incumbência de quem viria a comprá-la e, segundo o seu testemunho, só a máquina impressora de marca Heidelberg de que dispunha, valia o preço global pedido por todo o valioso equipamento. Estamos a falar do começo dos anos 50, mas compete dizer que, durante os seguintes e a despeito da evolução das técnicas tipográficas, havia materiais comprados à Seara Nova que continuavam a revelar-se altamente prestantes na tipografia para onde haviam sido Os traços histórico-económicos da imprensa neste período explicam, porventura, a extraordinária proliferação de órgãos de carácter político ou cultural, relacionados com partidos, agrupamentos ou grupos de opinião, tais como, por exemplo, Deste modo, a luta política e social tornou-se muito mais virulenta e, permita-se- me a expressão, dramática, revestindo com frequência aspectos profundamente pessoais. A fluidez das alianças entre os contendores, típica da actividade política no quadro da democracia desde os tempos da longínqua Grécia, contribuía, por sua vez, para o carácter efémero de muitas dessas publicações. Fosse como fosse, o seu aparecimento e intervenção exprimiam os interesses de classes e grupos sociais em presença. Os seus animadores e redactores, enquanto “intelectuais orgânicos” de sectores determinados (para usarmos o conceito e expressão de Gramsci), eram intérpretes de aspirações daqueles de quem se tornavam mandatários. Tratava-se de limitar o exercício do poder por parte das classes ou fracções de classe que detinham as respectivas alavancas ou tratava-se de contrabalançar o alcance das investidas de grupos assertivos que lutavam pela sua participação no É evidente que este enunciado teórico terá valor hermenêutico somente sob a condição de a leitura crítica do passado permitir destrinçar, na dialéctica da história, os interesses reais que se confrontavam na arena política e social. ORIGENS DA SEARA NOVA NO QUADRO CULTURAL DA PRIMEIRA REPÚBLICA Alguns dos elementos preponderantes da Seara Nova, à frente dos quais se situava Raul Proença, logo seguido de Jaime Cortesão, provinham do projecto cultural que desde o advento da República se concretizara em torno do movimento da Renascença Portuguesa e dos seus órgãos de imprensa: a revista A Águia e o jornal A Vida Portuguesa. A Universidade Popular do Porto constitui um dos traços mais salientes do projecto cultural da Renascença, apesar de se ter saldado por um malogro como ocorreu com a maior parte das Universidades Populares em Portugal e noutros países. A cisão entre o racionalismo de António Sérgio e o espiritualismo idealista de Teixeira de Pascoaes, vertido no saudosismo, levara-os a um confronto polémico nas páginas de A Águia. Sérgio, Cortesão e Raul Proença tinham-se distanciado então da Em 1921, no momento em que a Seara Nova foi fundada, Sérgio achava-se pela segunda vez a residir no Brasil. Aí adquirira uma tipografia pertencente ao sogro e, de sociedade com Álvaro Pinto, que para o Brasil também emigrara, havia fundado uma empresa editorial que publicava, por exemplo, A Águia. Será de resto no Brasil que Sérgio proferirá a conferência O problema da cultura e o isolamento dos povos peninsulares e aí editará a 1.a edição dos Ensaios, que Proença qualificará de um “livro de claridades e de sombras”, criticando Sérgio por pregar do Brasil a salvação da Pátria em vez de vir tomar parte na luta política, assentar rijamente os pés na lama, como dizia Nas mãos de Sérgio, A Águia estaria completamente liberta daquelas “misticices” (a palavra é de Proença), de que ambos se tinham separado ao esfriarem as suas relações com a Renascença (alusão velada ao Teixeira de Pascoaes ideólogo e não ao poeta, que teve sempre admiradores na revista lisboeta). As orientações de Proença, Cortesão e Sérgio eram, no seu conspecto geral, coerentes com o que tinham querido que fosse o movimento cultural portuense. Por que motivos foi, então, fundada a Seara Seja-me permitido inserir aqui um testemunho pessoal cujo valor é apenas, por assim dizer, indiciário. Em 1972, quando tratei da publicação das cartas de António Sérgio a Álvaro Pinto, a convite da filha deste, Senhora D. Maria Amélia Azevedo Pinto, tive ocasião de ler duas interessantes cartas de Jaime Cortesão a Álvaro Pinto, uma delas por sinal um tanto irritada, descrevendo como ia ser fundada a Seara e explicando os motivos imediatos da iniciativa. Eles centravam-se no facto de A Águia não atingir em Portugal uma difusão suficientemente ampla que lhe permitisse desempenhar as funções de tribuna política e cultural do grupo seareiro (a leitura dessas cartas destinava-se a ser o prólogo de um projecto de publicação do epistolado Cortesão-Álvaro Pinto, logo a seguir à edição das cartas de Sérgio para o pai da Senhora D. Maria Amélia. Infelizmente o seu falecimento impediu-me de levar tal projecto para diante. Onde estará agora o que Uma carta de Sérgio para Raul Proença, datada de 1921, refere-se, de resto, a essa correspondência de Cortesão. Escreve Sérgio ao amigo: “O Jaime mandou ao A. Pinto umas considerações sobre a Águia que achei infinitamente justas. A Águia deve ser feita aí. Se a fizemos aqui foi bem contra vontade, e com verdadeiro sacrifício vendo que em Portugal abandonavam a Renascença. Acho mesmo que, em vez de criarem uma revista nova deviam tomar conta da Águia – a valer – remodelá-la de alto abaixo, e tentarem aproveitara organização da Renascença – para instrumento da obra de regeneração nacional que com a Seara vão empreender” (Sérgio, 1987, 156). Os seareiros não seguirão este ponto de vista. É sabido que o grupo fundador da revista integra Aquilino Ribeiro, Augusto Casimiro, Faria de Vasconcelos, Ferreira de Macedo, Francisco António Correia, Jaime Cortesão, José de Azeredo Perdigão, Câmara Reis, Raul Brandão e Raul Proença. Na mesma carta, Sérgio explicava também as razões por que não estava em condições de colaborar. A revista e o próprio grupo que a apoiava constituem uma espécie de consciência crítica da Primeira República. Todo o seu combate era dirigido contra a república pequeno-burguesa e jacobina, mergulhada na corrupção dos altos negócios e na exploração das classes populares, tudo isto tornado possível pela dominação do Estado e pelas pressões das arruaças do exército. Em vez dessa república aturdida pelo fraseado demagógico, pela retórica ineficaz, pela ausência de directrizes governativas que alterassem positivamente o viver do povo, os seareiros ansiavam por uma república democrática, de matriz socialista. “Todas as suas simpatias”, escreve-se no editorial do primeiro número, a 15 de Outubro de 1921, “vão (.) para os que lutam, dentro da ordem, dos métodos democráticos e desse espírito de realidades sem o qual são inteiramente ilusórias quaisquer reformas sociais, pelo triunfo O sentimento da necessidade de mudar era diversamente partilhado, inclu- sivamente no interior do grupo e nas páginas da revista. A revolução ideada pelos seareiros não tinha nada a ver com as aventuras militares que se sucediam mas também nada tinha a ver com o socialismo de 1917. Apesar de alguma admiração expressa por Lenine numa breve nota da revista, Proença mostrará certa incompreensão do movimento dos sovietes, acusando Lenine de cultuar a incompetência (isto não impedirá que desencadeie e sustente na revista um movimento humanitário de socorro aos famintos russos). Também não convergia com o maximalismo do Partido Comunista Português, igualmente fundado em 1921, atravessando a fase do ratesismo, nem se revia nas insinuações do general Gomes da Costa, cujo artigo sobre a reorganização militar a Seara Nova acolherá, todavia, logo no seu número dois (5 de Novembro de 1921) e que rematava com estas palavras sintomáticas: “Verdade, Espadas largas e Portugueses de Oiro, (.) é o que todos nós devemos pedir para o nosso Portugal, e eu particularmente e com ardor peço para o Exército: Verdade, Espadas largas e Portugueses de Oiro!” (Proença escreverá, alguns números adiante, que o país carecia de cabeças e não de Esta frase de Proença remete-nos para um traço essencial do compromisso ideológico seareiro: o problema nacional é um problema de cultura, visto que radica na “mentalidade”. A sua solução prioritária passa portanto pela reforma da educação. Isto não significa a abstenção da Seara Nova quanto à formulação de planos reformadores nas áreas económicas e financeiras. Logo nos primeiros números aparecem artigos de Ezequiel de Campos, de Quirino de Jesus, de Francisco António Correia, todos eles economistas, de José de Azeredo Perdigão sobre o problema da energia e acerca de uma questão de carácter bem prático – a lei do inquilinato –, além do já citado artigo de Gomes da Costa. Alguns destes homens irão estar na base do fascismo: o autor do golpe militar, Gomes da Costa, outros colaborarão com o ditador. Sobre o ensino e a sua reforma, é de salientar, primeiro que tudo, o conjunto de artigos publicados por Faria de Vasconcelos, intitulados Bases para a solução dos problemas da educação nacional, espécie de súmula preparatória da famosa proposta de lei de 1923 que ficaria conhecida pela designação de reforma de João Camoesas e que saiu quase toda das mãos do mesmo Faria de Vasconcelos. Acerca das prioridades da educação relativamente ao desenvolvimento económico chega a esboçar-se nas páginas da revista um diferendo entre Ezequiel de Campos e Raul Proença, já que o primeiro escrevera que o país não podia esperar os resultados da reforma da educação para operar as reformas económicas, pois ficaria falido antes de dispor de um ensino reformado, opinião contestada por Proença. Todos estes planos de reorganização e fomento, passando pelo desenvolvimento hidroeléctrico e outras obras públicas, deveriam ser concretizados por um governo de competências excepcionais, por uma cleresia do espírito cuja mentalidade renovada faria aquela “revolução construtiva” por que Sérgio ansiava e cuja realização é o programa essencial do movimento dos “Homens Livres” ou da “União Cívica”. Revolução que se propunha fosse feita “de cima”, não sei se os seareiros lhe descobriam todos os perigos de que era susceptível. O certo é que numa carta a Proença, publicada por José Carlos Gonzalez, Sérgio se confessa encantado com alguns períodos do manifesto do general Primo de Rivera, aqueles em que os militares espanhóis declaravam que não pretendiam ser governo, que este, diziam, cabia aos civis “honestos e competentes, que salvem a pátria”. Sérgio acreditava ingenuamente na De todos os modos, sabemos que os homens da Seara acabarão por defender um regime de excepção, ou antes, uma ditadura de onde saísse um governo de homens também excepcionais, que agisse autorizado por um parlamento reduzido, afinal, a essa função. Esta “engenharia política”, por mais imaginosa que fosse, não podia ocultar, aos olhos de homens lúcidos como eram, na sua generalidade, os seareiros, o facto fundamental de que tal governo somente poderia subsistir respaldado pelo exército. Neste quadro, recaem sobre os homens da Seara Nova pesadas responsabilidades históricas por não se terem apercebido do perigo de pugnarem por uma ditadura, apesar de a qualificarem de “democrática”. E certo que, no dia seguinte ao golpe militar já eram eles próprios os mais veementes contraditores da ditadura, cujos eleitos iriam todos eles A Seara Nova constitui, assim, uma plataforma política essencialmente pequeno- burguesa, e, apesar de todos os seus erros, uma das expressões mais significativas da intelectualidade portuguesa progressista. As propostas alternativas para uma nova linha de rumo governativo haverá que procurá-las nas páginas da revista. Ela é a voz da esquerda liberal, ou, para usarmos a expressão com que se auto-caracteriza, a “extrema esquerda da República”, em contraste com um movimento operário e sindical dramaticamente marcado pelas suas origens anarquistas, fortemente seduzido pela tese da conquista do poder pelos trabalhadores através da greve geral e portanto incapaz de alianças unitárias com a pequena burguesia e a intelectualidade progressista, alianças tanto mais urgentes quanto se desenhava visivelmente o ascenso fascista ou mesmo A despeito das limitações ideológicas dos seareiros, em algumas das suas páginas, no plano literário, despontam tendências vizinhas do que virá a ser, por outras vias, o neo-realismo. É ver, por exemplo, a Crónica Deselegante da Minha Aldeia, de Aquilino, galeria de retratos e de acontecimentos evocativos do mundo rural mais recôndito; ou, logo no primeiro número, as Sombras Humildes, de Raul Brandão, de uma tocante sobriedade, onde, no meio do descritivo, surge uma frase que vale todo um programa: “A Mas não se pode esquecer também a intervenção política, por intermédio das acutilantes notas redigidas por Proença ou por Câmara Reis, as reflexões de um escritor de procedência anarquista. Emílio Costa, as Cartas à Mocidade, de Cortesão, e a crítica modelar de Proença ao integralismo lusitano, integrada, posteriormente, nas Páginas de Política, constituindo uma obra-prima do pensamento democrático português. O grupo seareiro declarou-se desde o início independente dos partidos políticos, entendendo que a sua liberdade de opinião, na hipótese contrária, ficaria limitada. Não que responsabilizasse os partidos ou os políticos por todos os males da Pátria, visto que a mentalidade nacional os produzia e alimentava. Por isso mesmo, não hesitou nunca em atacar monárquicos ou forças monárquicas, do mesmo modo que não vacilou em criticar personalidades ou organizações republicanas. Também não hesitou em apoiar a reforma de ensino apresentada pelo Ministro da Instrução, João Camoesas (1923), desenhada por Faria de Vasconcelos e até mesmo em tomar parte num Ministério Álvaro de Castro (18-12-1923/6-7-1924), para o qual lhe foram oferecidas duas pastas (Agricultura e Educação). Quanto à Instrução Pública, seria António Sérgio a desempenhar a função de ministro (18-12-1923/28-2-1924), encontrando vigorosa oposição entre professores e público a generalidade das disposições que pretendeu pôr em prática (Fernandes, 1983). Fora dessa breve participação governativa, a Seara Nova manteve-se como um posto de combate. Alguns dos seus membros, como Sérgio e Proença, tiveram de procurar o exílio, ao lado de outros antifascistas. Apesar de todas as dificuldades de comunicação e de entendimento, apesar das diferentes opções políticas do campo democrático, foi na Seara Nova que muitas vezes se forjaram sólidas plataformas de Fernandes, Rogério (1983). António Sérgio, ministro da Instrução Pública. in: Revista de História das Ideias. «António Sérgio». Número especial. Vol. 5. Coimbra: Faculdade de Letras, 603-700. Sérgio, António (1987). Correspondência para Raul Proença. (Org. e introd. de José Carlos Gonzalez. Com um estudo de Fernando Piteira Santos). Lisboa: Publicações Dom Quixote/Biblioteca Nacional.

Source: http://slhi.motioncreator.net/sites/default/files/searanovarepublica.pdf

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