Flexibilidade e Precarização do Trabalho: A Experiência Brasileira Marcia de Paula Leite Cibele Saliba Rizek USP/São Carlos Prepared for delivery at the 1997 meeting of Latin America Studies Association Continental Plaza Hotel Guadalajara, Mexico April, 17-19, 1997 Flexibilidade e precarização do trabalho: A experiência brasileira Introdução
A questão das novas características que vem assumindo o trabalho frente ao atual
processo de reestruturação produtiva é extremamente polêmica. Embora para alguns onovo paradigma produtivo, baseado na flexibilidade da produção e do trabalho, tenda amelhorar as condições de trabalho quando comparado ao paradigma taylorista, há aindauma série de pontos obscuros nesse processo, cuja análise se torna fundamental quando sepensa em discutir a questão de forma mais aprofundada.
Tais pontos obscuros relacionam-se fundamentalmente às segmentações do
mercado de trabalho e às diferentes formas de inserção dos trabalhadores e trabalhadorasno processo produtivo, as quais se relacionam por sua vez a distintos padrões de uso dotrabalho e a trajetórias diferenciadas de reestruturação. Esses diferentes padrões de uso dotrabalho serão problematizados a partir da concepção de cadeia e complexo produtivo,tendo em vista o entendimento de que uma das características fundamentais do atualprocessso de reestruturação consiste no fato de que as empresas não mais atuamisoladamente, mas através de redes de relações, as quais podem assumir característicasdiferentes, com distintas implicações para o uso do trabalho.
Essas questões serão discutidas a partir dos “achados” preliminares do projeto
“Reestruturação Produtiva e Qualificação”1 no que se refere aos setores químico eautomobilístico, os quais serão analisados à luz do debate teórico travado pela bibliografiaespecializada no tema. Para tanto, o texto será organizado em três tópicos fundamentais. No primeiro, dedicado à discussão teórica, serão analisadas as questões relacionadas aoexame das distintas estratégias de reestruturação das empresas; no segundo,aprofundaremos a análise do setor automobilístico; e no terceiro, do setor químico. Oargumento central do texto é de que as estratégias virtuosas e precarizadoras ao invés deexclusivas, tendem a aparecer concomitantemente nos diferentes pontos da cadeia e docomplexo, podendo-se dizer não só que o processo produz ao mesmo tempo o trabalhoenriquecido e o precário, mas que ambos se alimentam e complementam, enquanto facesde um mesmo processo.
1 - Esse projeto é parte do Programa de Pesquisa em “Ciência, Tecnologia, Qualificação e Produção”,sediado no CEDES (Centro de Estudos de Educação e Sociedade) e financiado pela Finep-Proeduc eCNPq-PCDT. I- Estratégias de reestruturação e qualificação
A idéia de que as transformações produtivas que vêm ocorrendo nas últimas
décadas estariam forjando um novo paradigma produtivo têm se tornado cada vez maisevidentes. Não só os princípios que estiveram por trás da produção em massa quecaracterizou o paradigma taylorista/fordista vêm sendo continuamente substituídos pelalógica da flexibilidade, como as regulamentações sobre as quais se baseou a relação entreo capital e o trabalho no paradigma anterior vêm perdendo cada vez mais sua efetividade2.
A constatação de que nos encontramos frente a um novo paradigma produtivo -
hoje difícil de ser contestada - não significa, entretanto, que o mundo da produçãocaminhe inexoravelmente em direção a um modelo único de reestruturação. Pelocontrário, a bibliografia tem insistido no fato de que, embora estejamos frente ao domíniode novos conceitos de produção que se difundem rapidamente pelos quatro cantos domundo, os caminhos que vêm sendo seguidos pelas empresas na busca da competitividadenão são homogêneos. Com efeito, há já um conjunto não desprezível de estudos que têmsublinhado a existência de diferentes trajetórias, os quais têm chamado a atenção para apossibilidade de convivência de estratégias muito diferentes. Nesse contexto, novosconceitos têm sido criados buscando elucidar a diversidade da realidade.
A começar com o alerta de Kern e Schumann (1988) para o fato de que o processo
estaria engendrando ao mesmo tempo setores “ganhadores” e “perdedores”, passandopela dicotomia entre o high road e o low road proposta por Pyke e Sengenberger (1992)3,ou ainda pelas alternativas de estratégias negociadas e não negociadas discutidas porBabson (1995), a bibliografia vem dando conta de uma grande diversidade de trajetóriasque se encontram não só nas duas extremidades dessas bipolarizações, mas ainda entre asinúmeras possibilidades diferentes que se abrem entre esses extremos.
Talvez o mais importante a discutir a esse respeito seriam os vários recortes que
estariam na base dessas diferentes trajetórias, o que permitiria dar um mínimo deorganização no enorme espectro de diferentes possibilidades que se nos apresentam.
2- Convém elucidar que, embora concordemos com os críticos da idéia de um novo paradigma produtivoque o princípio de intensificação do trabalho através da diminuição dos poros da jornada continue por trásda lógica da produção como esteve no taylorismo, não acreditamos que isso significa que a lógicataylorista continue prevalecendo. Na verdade, tal princípio nos parece constitutivo do próprio capitalismo,estando, portanto, presente em qualquer dos modos de acumulação porque vem passando a produçãoindustrial desde seus primórdios. Os princípios que, a nosso ver, caracterizam o taylorismo/fordismoenquanto forma de organização do trabalho (a produção em massa de produtos estandardizados, aparcelização das tarefas, a divisão entre o trabalho manual e intelectual, os tempos impostos, o trabalhoindividualizado e colocado sob vigilância da pesada hierarquia fabril) encontram-se sem dúvida na linhade fogo dos novos conceitos de produção, embora, conforme veremos a seguir, isso não significa que elesestejam sendo inteiramente abandonados, mas em muitos casos, apenas redimensionados e inseridos emnovas lógicas. 3 - De acordo com esses autores, o high road se centra na busca da qualidade dos produtos e no reforço dacapacidade inovativa, para os quais o trabalho aparece não como custo, mas como investimento, e,portanto, como um importante fator para a garantia da eficácia; enquanto o low road consiste numaestratégia competitiva que se baseia na redução de custos, especialmente os relacionados ao trabalho.
Assim, por exemplo, os conceitos de high road e low road emergem como centrais
nessa discussão não só por partirem do princípio de que o caminho não é unívoco, mastambém por permitirem uma reflexão sobre quais as variáveis estariam na base dessesdiferentes caminhos. Nessa discussão, certamente as diferenças relacionadas à história decada país e às diferentes culturas nacionais desempenham um papel importante quepermitem elucidar, por exemplo, porque a estratégia high road tende a ser mais comumnos países desenvolvidos e, entre eles, especialmente os europeus, onde a experiência doestado do bem estar-social assegurou não só a integração social da classe trabalhadora,como o desenvolvimento de relações mais pactuadas entre capital e trabalho4.
Também as diferenças entre os setores, lembradas por Kern e Schumann emergem
como importantes para essa discussão, ao evidenciar que a preocupação com a qualidadenão assume a mesma importância para todos os setores industriais. Pelo contrário, deacordo com a dinâmica do mercado, determinados setores (especialmente os voltados paraa produção de produtos de baixo valor agregado, destinados ao consumo popular), têmsua estratégia muito mais centrada na questão do preço do que na qualidade, conformeelucidam os autores ao comparar a produção de automóveis com a de margarina.
Nesse contexto, levar em conta as preocupações de Babson sobre as relações
industriais se apresenta como mais um elemento importante no sentido de elucidar osrecortes. Com efeito, o autor lembra que embora o high road possa ser a estratégia maiseficiente a longo prazo, como o objetivo das empresas é também o lucro máximo a curtoprazo, as pressões do mercado tendem a tornar as estratégias baseadas na utilização dotrabalho barato numa opção frequente. Nesse sentido, alerta Babson, o papel dossindicatos e das relações industriais torna-se fundamental na definição de um modelo maisvirtuoso.
A presença de sindicatos fortes não é, portanto, indiferente para as características
que o processo de modernização tecnológica vem adquirindo. Pelo contrário, asexperiências dos países em que os sindicatos - em função de uma longa história deorganização e de luta - vêm logrando manter seu poder de negociação como a Alemanha,Suécia e Itália indicam que a pressão sindical desponta como um fator central na definiçãode um modelo mais voltado para a utilização da mão-de-obra como um bem a servalorizado e mais assentado na flexibilidade interna que na externa5, assim como para opredomínio de formas de organização menos fragmentadoras do mercado de trabalho.
4 Schmitz (1993: 141), por exemplo, avança na hipótese de uma tendência ao high road nos paísescentrais, em contraposição a uma maior inclinação dos países periféricos em relação ao low road. Deacordo com o autor, isso se deveria ao fato de que um caminho baseado em baixos salários seria a via maisprovável de se desenvolver nos países do Terceiro Mundo em virtude do enorme estoque de mão-de-obrasobressalente. Em contraste com essa situação, nos países centrais, mesmo quando há altas taxas dedesemprego, o seguro desemprego tende a garantir que o salário não desça abaixo de determinados níveis,favorecendo o desenvolvimento de uma dinâmica mais baseada na qualidade dos produtos. 5 - Ao contrário da flexibilidade interna, baseada na capacidade dos trabalhadores fazerem trabalhosdiferenciados de forma a permitir a rápida adaptação da produção às mudanças exigidas pelo mercado, a
O mesmo raciocínio é válido também quando se pensa na diferenciação por setor:
não há dúvida de que a concentração das tendências mais virtuosas de organização egestão do trabalho nos setores historicamente mais bem organizados, como o metalúrgicoe o automobilístico, tem a ver não apenas com características dos processos de produção,mas também com a histórica capacidade de organização dos trabalhadores desses setores.
A compreensão dessa questão é de enorme importância para a discussão da difusão
das estratégias mais virtuosas e evidencia a incorreção em que caem os autores quegeneralizam as características do trabalho no setor automobilístico para o conjunto dosetor industrial. Mais que isso, ela é fundamental quando se pensa na fábrica não só comoo campo da racionalidade, onde o que está em jogo são as necessidades da produção, mastambém como o reflexo de relações e interações sociais entre agentes com diferentesinteresses, culturas e práticas sociais.
Esse fato coloca a realidade do mundo da produção numa situação bastante
complexa e contraditória em que, ao mesmo tempo que poderia se encontrar umaconvergência entre os interesses dos sindicatos e trabalhadores e os das empresas no quese refere à busca de um trabalho mais qualificado, estável, participativo e bem pago, narealidade o que tende a acontecer é o inverso: a não ser nos locais e setores onde omovimento sindical tem demonstrado grande poder de pressão, a maior parte dasempresas vem isolando os sindicatos do processo e implementando as inovações de formaunilateral, de modo a poder cortar os custos com mão-de-obra, o que acaba por jogá-lasnas estratégias low road. Na verdade, quando se analisa o processo no que se refere àsrelações industriais de uma maneira geral, o que encontramos é uma tendência bastanteregressiva em que, escapando a toda e qualquer forma de controle que os movimentossociais lograram construir ao longo do último século (e que não só garantiam direitosfundamentais aos trabalhadores, como impunham importantes restrições sociais à atuaçãodo capital), as empresas vêm anulando conquistas históricas dos trabalhadores,aprofundando a segmentação do mercado de trabalho e promovendo um processo inéditode concentração da renda mundial, embora também aqui não se possa considerar oprocesso de maneira unívoca ou homogênea.
Na verdade, o que parece ir se evidenciando é que embora uma nova dinâmica
venha se impondo à produção industrial como um todo, a inovação pode ser perseguidade diversas formas, as quais abrangem, inclusive, como alerta Zarifian (1993), umprocesso de “retaylorização”. Tal possibilidade estaria colocada, segundo o autor, quandoo processo não incorpora uma mudança no conceito de produtividade, que permaneceria“entendido como um conceito operacional centrado na relação quantitativa - produção porhoras/homem”.
Esses recortes se apresentam, nesse sentido, como fundamentais para se poder
pensar as diferentes estratégias de reestruturação das empresas, na medida em que
flexibilidade externa baseia-se na capacidade da empresa adaptar-se às flutuações da demanda em termosde pessoal, demitindo e admitindo conforme as variações de necessidade de mão-de-obra.
elucidam as relações entre as distintas experiências e a história pregressa dos vários países,as relações que se estabelecem entre os atores sociais e a capacidade de organizaçãosindical, ou mesmo as várias lógicas setoriais. Eles só podem ser pensados, contudo,quando cruzados com o conceito de cadeias e complexos, tendo em vista que a posiçãodas empresas na cadeia, bem como a relação interfirmas que se estabelece entre os várioselos da cadeia se apresenta também como uma das questões centrais na definição dopadrão de uso do trabalho pelas diferentes firmas.
De fato, se por um lado, a bibliografia vem dando conta de que cada vez mais a
compreensão do mundo industrial passa pela análise das relações que se estabelecem entreas várias firmas que colaboram para a produção de um determinado produto, tendo emvista a tendência à horizontalização da produção, por outro lado, os estudos têm indicadoque tais relações podem ser muito diferentes, variando desde uma tendência à cooperaçãoentre clientes e fornecedores, até uma relação predatória, que joga sob os fornecedores opeso da diminuição de custos, provocando a precarização do trabalho à montante. Conforme explicitamos anteriormente, nosso argumento é de que ao invés de doiscaminhos exclusivos, tais tendências podem aparecer concomitantemente no interior deuma mesma cadeia ou complexo, tendo em vista que:
(i) as empresas clientes tendem a estabelecer diferentes relações com os seus
fornecedores, de acordo com o tipo de produto fornecido e sua importância nadefinição da qualidade do produto final. A estratégia de estabelecimento decondomínios industriais6 pode ser uma forma de se estabelecer um diferencialnesse sentido: com as firmas que fornecem os produtos mais fundamentais paraa garantia da qualidade, as clientes estabeleceriam uma estratégia deaproximação, o que tenderia a propiciar padrões de uso da mão-de-obra maiscompatíveis com aqueles desenvolvidos pela própria empresa cliente; com asdemais, contudo, a estratégia seria de um vínculo menos estreito que lhespermitiria empurrar para os fornecedores o peso da diminuição de custos,jogando-os, dessa forma, nas estratégias low road.
(ii) as relações industriais predominantes em cada firma da cadeia têm mais a ver
com as caracteríticas da produção e do trabalho realizado, bem como com ahistória do coletivo operário da empresa e da região em que ela se situa do quecom a da empresa cliente. Nesse sentido, dificilmente as relações industriaispredominantes na empresa mãe se estenderão pelo conjunto da cadeia, o quesignifica que a influência das relações industriais sobre a estratégia seguida pelasvárias firmas ao longo da cadeia será obrigatoriamente diferenciada.
É esse conjunto de questões que passamos a analisar nos próximos tópicos, os
quais serão destinados à discussão da qualificação no complexo químico paulista e numacadeia automotiva iniciada por uma montadora de automóveis sediada no ABC paulista.
6 - O conceito de condomínio industrial consiste na aproximação dos fornecedores mais importantes, osquais passam a produzir dentro do terreno da própria cliente.
II- A Cadeia Automotiva: Da linha de montagem robotizada ao trabalho escravo
O estudo da cadeia começou com a empresa montadora, uma fábrica de
automóveis de São Bernardo do Campo/SP - a principal unidade da empresa no Brasil -que vem se modernizando rapidamente nos últimos anos. Visando redirecionar sua linhade produção para a fabricação de carros populares, mais ao gosto dos mercados brasileiroe sul americano7, a fábrica vem passando por um enorme esforço de modernizaçãotecnológica, através do qual foram introduzidos aproximadamente uma centena de robôsna linha de montagem, possuindo atualmente uma linha inteiramente constituída por robôs. Esse processo significou, ao mesmo tempo, a diminuição do efetivo de operários (quepassou de 10.500 para aproximadamente 7.000 no período de mais ou menos um ano), umgrande investimento em treinamento para o pessoal que permaneceu na empresa (quecorrespondeu a 0,17% do faturamento em 1995) e profundas modificações no processoprodutivo, as quais incluem o desenvolvimento do condomínio industrial. Este contemplaa instalação de um fornecedor de tintas no terreno da montadora, a qual mantém comseus trabalhadores as mesmas políticas salariais de sua cliente.
No que diz respeito às implicações da reestruturação sobre o trabalho, embora seja
necessário considerar que elas são muito diferenciadas de acordo com os distintos setoresda fábrica e os diferentes tipos de trabalho, não há dúvida de que a empresa vem buscandoo aperfeiçoamento da mão-de-obra e investindo firmemente em treinamento para o pessoaloperacional, uma parte do qual chegou inclusive a ser treinado numa fábrica espanhola daempresa, onde o modelo de carro em questão já era produzido. Baseando-se no princípiode que o trabalhador tem que ser versátil, a empresa adequou também sua estrutura decargos e salários, que passou, no caso do pessoal operacional, de 9 diferentespossibilidades de classificação, (que a empresa chama de grau) com 6 steps em cada uma,para 5 graus (correspondentes às letras A, B, C, D e E), com 7 steps em cada um, onde aprogressão horizontal (dentro de um mesmo grau) é definida pelo tempo de casa,desempenho, escolaridade e treinamento. Convém destacar que, embora cada graucorresponda a determinadas funções, a empresa vem se utilizando de um conceito quedesloca a sede da qualificação do cargo para o indivíduo, favorecendo com isso, oaperfeiçoamento constante dos funcionários. Com efeito, apesar de nos 2 primeiros níveis(A e B) - onde se concentram os operadores de empilhadeira, prensistas, montadores(grau A), reparadores de veículo e operadores de ponte rolante (grau B) - o crescimentovertical ser mais difícil porque implica em mudança de função, nos três últimos (ondeestão os mecânicos, eletricistas, fresadores e ferramenteiros) ele se desvincula da função epassa a estar referido às habilidades do trabalhador e à complexidade do trabalho que7 - A unidade produz em torno de 220.000 veículos por ano, destinados a abastecer não só o mercadobrasileiro, como dos demais países do Mercosul e do Chile , embora até o momento 90% da produçãodestine-se ao mercado nacional. O principal produto, um modelo popular de carro de passeio, começou aser produzido por essa fábrica em 1995, embora já fosse produzido por outras fábricas da empresa emoutros países do mundo.
desempenha, independentemente da função. Ao mesmo tempo, a empresa vemincentivando a polivalência através do princípio da versatilidade, que consiste em treinaros operários nas diferentes tarefas, através de cursos de treinamento e da rotação decargos.
Vale lembrar também que a empresa já introduziu o CEP em todas as áreas,
treinando os trabalhadores nas tarefas de medição, preenchimento e análise das cartas decontrole e que vem implantando o TPM (Total Productive Maintenence), cuja filosofiaprevê que todo operador tenha total domínio sobre as máquinas, devendo estar apto nãosó a fazer a manutenção preventiva na máquina, como também a testá-la e otimizá-la. Esseconjunto de inovações vem enriquecendo significativamente o trabalho dos operadoresque passaram a fazer inspeção do produto e análise da carta de CEP, a participar detrabalhos em grupo, a efetuar tarefas diferenciadas, a operar mais que uma máquina, apreparar as máquinas e otimizar sua programação.
Evidentemente, não se pode deixar de considerar que os acordos que vêm sendo
negociados entre a empresa e o sindicato nos últimos anos, sobretudo a partir de 1992,com a instalação da Câmara Setorial Automotiva8, têm desempenhado um papelfundamental na definição das estratégias de reestruturação, bem como das políticas deRecursos Humanos, constituindo-se num elemento de enorme importância para a melhoriadas condições de trabalho. Tal processo se expressa nos salários da fábrica, em médiabastante superiores aos pisos salariais: quase o dobro para os horistas e pouco menos dequatro vezes mais para o pessoal administrativo.
Vale destacar também que o fato de o mesmo não se passar com a gerência (que
ganha em média apenas 60% a mais do que o piso) pode estar sugerindo a adoção de umaestratégia de diminuição das diferenças entre o topo e a base, uma das tendências doprocesso de reestruturação que vem sendo sublinhada pela bibliografia internacional e queos estudos nacionais apontavam até recentemente como um dos problemas principais dasrelações sociais do país a dificultar a competitividade das empresas (Ferro, 1992).
A importância do treinamento para a empresa se expressa também na presença de
um setor estruturado, que dispõe de um analista para dar suporte a cada uma das áreas daprodução. Em 1995, a empresa ofereceu 21.456 horas de treinamento para o pessoal daprodução; 2.443 horas para o pessoal técnico e 661 horas para os gerentes e diretores. Também no que se refere aos conteúdos, é evidente a importância conferida aos cursostécnicos para todos os níveis da mão-de-obra (85% para o pessoal na produção, 79% parao nível técnico, 87% para os administrativos e 92% para a gerência)
Essas mesmas condições não parecem, contudo, se repetir ao longo da cadeia,
onde podem ser encontradas situações muito diferentes. Conforme explicitamos
8 - Cabe lembrar que, embora a experiência da Câmara Setorial Automotiva tenha se extinguido em 1994,a negociação do processo de reestruturação nas montadoras se manteve, especialmente no caso daslocalizadas no ABC paulista, onde a capacidade de organização dos trabalhadores e do sindicato vemgarantindo a permanência das práticas de negociação.
anteriormente, nossa hipótese é de que tais diferenças têm a ver com as relações que amontadora estabelece com seus fornecedores, as quais parecem expressar uma forma dejogar sobre eles os ônus das estratégias de competitividade, o que acabaria tendo comoresultado diferentes formas de precarização do trabalho ao longo da cadeia.
De fato, um dos “achados” que mais vem nos chamando a atenção refere-se à
informalidade das relações que as montadoras vêm estabelecendo com seus fornecedores. Tal informalidade se expressa claramente nas palavras do responsável pela área desuprimentos de uma empresa de autopeças visitada:
“Nós não estabelecemos contratos formais com nossos fornecedores. São só
acordos de cooperação informal, para que se possa reverter a qualquer momento, atéporque as montadoras também não estabelecem contratos formais conosco. Issoacontece porque a montadora quer ter a liberdade de comprar de quem vende maisbarato. Eles chegam pra gente dizendo assim: ‘eu vou comprar tal peça de vocês, massó posso pagar tanto’. Ai a gente é que tem que se organizar pra produzir aquelapeça por aquele preço. A partir desse padrão imposto pela montadora é que a gentedecide quanto vai pagar para a mão-de-obra, para a matéria-prima, etc.”
Ou ainda nos seguintes comentários de um gerente de fábrica da mesma empresa:
“Se fala muito em parceria com as montadoras, mas isso é uma balela. É um
abraço de urso. É um processo de sobrevivência onde você avança para onde vocêpode. E como aonde você pode são seus fornecedores, você avança pra cima deles. Ocliente só te pede redução. A parceria é assim: você começa a fazer um trabalho como cliente e depois que o trabalho é feito ele vem e diz que encontrou um fornecedormais barato. Os contratos são os mais leoninos possíveis. O que as montadoras fazemé algo que as autopeças estão começando a fazer: ter o fornecedor na mão (se vocênão faz por este preço, eu compro de outro fornecedor; se o outro também não fizer,eu importo. Teu preço tem que ser este. A partir do dia 1o, estou reduzindo teu preçoem 30%)”.
Esse tipo de relação, que de acordo com os próprios entrevistados, é diferente do
que costuma prevalecer nos países de origem das montadoras, onde as relações tendem aser mais formalizadas e mais duradouras, pode estar na raiz do processo de precarizaçãodo trabalho ao longo da cadeia, tendo em vista que as decisões unilaterias das montadorasacabam jogando os fornecedores em estratégias voltadas puramente para a redução decustos como forma de não perder o mercado.
Essa seria a lógica que poderia estar por trás, por exemplo, das condições
precárias e miseráveis de trabalho que prevalecem nas carvoarias que fornecem a matériaprima que se transforma em virabrequim, fio, prego, parafuso e chapa de automóvel nassiderúrgicas que, por sua vez, se constituem num dos principais fornecedores da cadeiaautomotiva. Nessas carvoarias, onde abunda o trabalho escravo e infantil, “a maioria das
pessoas trabalha em condições subhumanas, em áreas insalubres e sem carteira assinada. Só em Minas Gerais são 100.000 pessoas que produzem 2,3 milhões de metros cúbicos decarvão, geram 75 milhões de dólares por ano e representam 70% da produção nacional. Esses homens, que vivem como animais e sequer podem ser considerados cidadãos, sãoessenciais para a economia brasileira” (Ligação, março de 1996, pg 26).
Evidentemente, haveria que se levar em conta que tais condições de trabalho não
surgiram como fruto do processo de reestruturação do setor, mas já existiam desde muitotempo. O que importa considerar, entretanto, não é se elas são ou não anteriores àmodernização, mas o tipo de articulação que se vai criando entre elas. Trata-se de analisar,nesse sentido, em que medida elas são complementares ou fazem parte de uma mesmarealidade, conforme já explicitaram vários autores que vêm buscando dar conta daheterogeneidade da atual realidade industrial (Castillo, 1994; Benería e Roldán, 1987;Leite, 1995).
Indícios dessa mesma lógica podem também ser detectados na empresa de
autopeças contemplada pela pesquisa, fornecedora de painéis, pára-choques e volantes,que a própria montadora considera como uma empresa de Primeiro Mundo.
Com efeito, a empresa fornecedora - uma organização que vem tendo ótimo
desempenho, tendo praticamente triplicado seu faturamento de 1989 a 1995 - considera opreço como o principal item para a garantia da competitividade e, embora tenha declaradoque paga os melhores salários da região (as duas fábricas pesquisadas, que somamaproximadamente 2000 funcionários, situam-se na região de Jundiai/SP) tem um saláriomédio muito próximo ao piso salarial (aproximadamente 1/3 a mais em relação ao piso).
Os baixos salários são condizentes com a natureza do trabalho, tendo em vista o
pouco conteúdo técnico das operações nas duas fábricas, que envolvem em grandemedida o acabamento manual de peças de plástico com as quais a empresa monta ospainéis e pára-choques. Embora o lay out esteja organizado em células e a empresa afirmeque, juntamente com elas foi introduzido o conceito de multifuncionalidade, o trabalho emequipe tem pouco a ver com a noção de enriquecimento de cargos, promovida através deuma efetiva integração de tarefas ou com a possibilidade de os próprios trabalhadoresdefinirem a divisão do trabalho dentro da célula. Dessa forma, a equipe desfruta apenas deuma certa rotação de tarefas - definida pelo responsável da célula de acordo com asexigências do processo produtivo - que é brutalmente diminuída no caso das mulheres(tendo em vista que em geral elas estão confinadas nas seções de acabamento, onde não hámuita possibilidade de rotação) e está presente enquanto conceito basicamente naavaliação dos resultados, quando se avalia o desempenho da célula como um todo.
Convém destacar ainda que a maior parte das mulheres se encontra concentrada
em um setor de fabricação de volantes destinados à exportação, onde aproximadamente90 jovens trabalham sentadas em torno de três grandes bancadas. O trabalho aí se limita acolar e costurar uma peça de couro em torno do volante e a “multifuncionalidade” sereduz à integração do trabalho de colagem com o de costura, anteriormente separadosentre pares de trabalhadoras.
Tampouco o processo de modernização tecnológica da empresa vem significando
melhoria nos conteúdos de trabalho de forma generalizada. De acordo com o Diretor deOperações há lugares em que a entrada das novas tecnologias vem até simplificando otrabalho, como é o caso da célula de recorte e espumação, onde segundo ele,
“o aumento da qualificação é de quem programa o computador (engenheiro de
processo). Para os operadores até simplificou, embora em outras células, como natermoformagem, a qualificação dos operadores tenha se elevado porque eles passarama ter que conhecer a máquina e os comandos”.
No que se refere à formação dos trabalhadores, vale destacar inicialmente que os
dados sobre escolaridade apontam para o crescimento de todos os níveis a partir do 1o. grau completo, (hoje considerado o nível mínimo para a contratação) ao lado de umasensível diminuição dos itens 1o. grau incompleto e nenhuma escolaridade (que chegouquase a zero nos últimos anos). De acordo com o responsável pelo setor de RecursosHumanos, a exigência de 1o. grau completo tem a ver com o programa participativo daempresa, tendo em vista que sem esse nível de escolaridade mínimo, os trabalhadores têmdificuldade de fazer sugestões de melhoria do processo produtivo. Convém lembrar aindaque, além do 1o. grau completo, a empresa exige uma série de habilidades, que sãoexaminadas através de um conjunto de testes a que todos os candidatos são submetidos,os quais se dividem em: atenção concentrada, caligrafia, matemática básica e interpretaçãode texto.
Também no que concerne ao treinamento, a empresa vem investindo de maneira
evidente, tendo a média horária de cursos oferecidos subido de 25 horas por trabalhadorao ano em 1989 para 150 horas por trabalhador ao ano no momento atual, devendo serdestacado também que a empresa paga hora extra para os cursos que são oferecidos forado horário de trabalho como forma de incentivar seus trabalhadores a faze-los e que ostreinamentos são considerados como condição necessária para a ascensão de um nível aoutro na estrutura de cargos e salários, composta atualmente de 3 níveis (operador 1, 2 e3)9. Convém notar, entretanto, que a empresa não dispõe de um setor de treinamento, masapenas de um responsável pela área, que conta com mais 2 ajudantes e que os gastos com
9 -Cabe destacar aqui que embora bastante enxuta, a estrutura de cargos e salários ainda está presa aospostos, já que a promoção depende não apenas da frequência aos cursos, mas da mudança para postos detrabalho considerados mais qualificados.
treinamento como porcentagem do faturamento foram bem pouco expressivos em 1995(0,008%)10, além de se concentrarem, especialmente para o pessoal operacional, emcursos comportamentais de curta duração (em 1995, tais cursos equivaliam a 74% do totaldas horas de treinamento).
Outra questão que não pode deixar de ser comentada é a que se refere à diferença
de gênero no acesso aos cursos: embora a empresa declare não discriminar o acesso, oDiretor de Operações considerou que, como as mulheres em geral não estão nasmáquinas, onde a necessidade de formação técnica é maior, elas acabam frequentandopraticamente só os cursos comportamentais, obrigatórios para todos. Haveria que lembrarainda que, como o acesso aos cursos é condição necessária mas não suficiente para apromoção, a passagem para os níveis mais altos de operação (nível 2 e 3) acabamdependendo basicamente da promoção a postos ligados à operação de máquinas, coisaque se torna muito difícil para as mulheres. Isso significa que a diferença de gênerodesempenha aqui um papel fundamental: além de todos os problemas (já fartamenteanalisados pela bibliografia) que as mulheres enfrentam para poder assistir a cursos detreinamento devido a suas funções domésticas, passar por treinamento não lhes assegurauma melhor colocação profissional, tendo em vista seu confinamento aos postos detrabalho manuais.
Se a conclusão de que há diferenças nas condições de trabalho ao longo da cadeia
automotiva não nos coloca frente a um quadro novo ou desconhecido, o que surpreendenesse conjunto de dados é a complexidade dessa heterogeneidade, bem como oentrelaçamento dos fatores que contam, seja para a explicação das homogeneidades, sejapara a elucidação das diferenças.
Retomando alguns pontos discutidos no tópico anterior, valeria destacar, por
exemplo, a igualdade de condições salariais para os trabalhadores do fornecedor de tintasinstalado no condomínio industrial, em contraste com a condição dos trabalhadores dafornecedora de autopeças, o que vem reforçar nossa hipótese de que as empresas clientestenderiam a estabelecer diferentes relações com os seus fornecedores de acordo com otipo de produto fornecido e sua importância para a qualidade do produto final.
Outro elemento que necessita ser levado em conta, no que se refere às condições
de trabalho dos funcionários da fornecedora de autopeças, diz respeito às relaçõesindustriais, marcadas pela existência de uma representação sindical muito poucoexpressiva (que deu margem inclusive para o aparecimento de um sindicato paraleloformado pela própria empresa alguns anos atrás), cuja capacidade de luta pela melhoria
10 -Vale destacar que esses números foram bastante mais expressivos em 1993 e 1994 (respectivamente0,65 e 0,74). A empresa alega, entretanto, que problemas de orçamento a vêm forçando a diminuir essesgastos nos 2 últimos anos.
das condições dos trabalhadores de sua base é muito pequena para poder pressionar aempresa em direção a uma estratégia mais virtuosa.
Em resumo, pode-se dizer que, dos meninos do carvão e das “meninas” do volante
à linha de montagem robotizada, tudo parece apontar em direção a um mundo onde osextremos mais distantes aparecem impressionantemente próximos, onde a valorização dotrabalho qualificado não só convive, mas reproduz o trabalho desqualificado e mal pago,onde a melhoria das condições de trabalho para os trabalhadores de uma ponta se faz àsexpensas dos da outra. O fato de que o recorte entre uns e outros se faça basicamente emfunção das discriminações presentes na sociedade, que valorizam e desvalorizam os váriossetores sociais a partir de características atributivas como sexo e idade evidentemente nãoé mera coincidência. Pelo contrário, faz parte da lógica da reestruturação que destrói ereconstrói a partir dos valores vigentes em nossa sociedade, remodelando o social atravésde um processo de aprofundamento das segmentações do mercado de trabalho. III- O Complexo Químico
Entende-se por complexo químico um conjunto de processos cuja delimitação
“parte da constatação de que o petróleo é o elemento básico da indústria químicamoderna. Estrutura-se assim o complexo a partir das atividades ligadas a sua obtenção eprimeira transformação - extração, refino e petroquímica (inclusive produção de resinas,fibras e elastômeros) - que geram os principais insumos para a produção das indústriasfinais - tintas e pigmentos, adubos, produtos farmacêuticos, perfumaria, artigos deplásticos e de borracha e químicos diversos (inseticidas, pesticidas, catalisadores, anti-oxidantes, etc.); várias destas indústrias utilizam também matérias-primas inorgânicas ounão petroquímicas, sendo a produção destes elementos outra indústria integrante da basedo complexo” (Hagenauer, 1989).
Trata-se, assim, de investigar uma lógica de complexos que, de certa maneira, sediferencia da lógica das cadeias produtivas, na medida em que persegue uma direção quese assenta no destino de um conjunto de produtos que se configuram como complexo apartir de um núcleo central ou de base, até suas diversas filiações geracionais. Deste pontode vista, algumas particularidades merecem ser destacadas. Uma delas diz respeito ao fatode que o complexo químico abriga uma diversidade e uma heterogeneidade de processosprodutivos que perpassa o fluxo que vai desde as transformações de base - refino etransformação petroquímica - até suas últimas capilaridades. As característicassupostamente agregadoras de “setor” ou “ramo” dizem muito pouco da situação real dasempresas constituintes do complexo ou mesmo de seus subsetores. Em segundo lugar,cabe lembrar que - contrariamente aos demais setores industriais que quanto mais sereestruturam, mais se horizontalizam - o setor químico apresenta uma forte tendência à
verticalização, seja devido ao seu particular processo de desenvolvimento, seja devido acaracterísticas específicas de seu processo produtivo11.
Assim, também do ponto de vista sindical, pode-se localizar uma ação reativa dostrabalhadores contra a fragmentação e a heterogeneidade dos subsetores e de seusprocessos de reestruturação. De um lado, as empresas apostam na heterogeneidade, comargumentos do tipo “somos setor de higiene pessoal, nada temos a ver com o setorquímico”. De outro, os sindicatos vêm buscando manter a unidade de representação docomplexo, respeitando as múltiplas relações entre as suas diversas ramificações e,portanto, em consonância com a crescente conexão entre produtos de material plástico,por exemplo, e matérias-primas. Entretanto, cabe lembrar, com Mello e Silva (1996:16/17) que, em primeiro lugar “entre as indústrias químicas vigora uma divisão dotrabalho muito particular, de tal maneira que o par produto final versus produtosintermediários ou básicos, (.) se reproduz por vezes no interior de uma mesma planta,instaurando uma segmentação da força de trabalho empregada. Segundo, (.) que otrabalhador químico só se especifica a partir do setor em que está alocado, isto é, pela‘adjetivação’: não existe um trabalhador químico strictu sensu, mas um trabalhador (outrabalhadora) químico-farmacêutico, químico veterinário, químico-fertilizantes”,petroquímico, químico-plástico, etc.
Como se pode observar, o que se entende por complexo químico vem passando porprocessos de reestruturação que incidem diferentemente sobre os seus escalonamentos. Seem alguns dos núcleos do complexo encontram-se graus maiores de estabilização da mão-de-obra, qualificação da força de trabalho, relações interfirmas baseadas em parcerias,isto não se verifica em algumas de suas pontas, que apresentam processos de“subcontratação” que se revestem do caráter de precarização de parcelas importantes detrabalhadores.
Concretamente, se podem ser encontradas relações de parcerias entre empresas docomplexo marcadas por uma dinâmica virtuosa, no subsetor de perfumaria, cosméticos esabões, estas relações vêm ocorrendo de forma contrária. Apesar de haver um núcleo de
11 - De acordo com Castro, a tendência à verticalização nas empresas do complexo químico deve-se ao fatode que a emergência do novo ramo petroquímico, a partir da II Guerra Mundial, com a produção deprodutos petroquímicos básicos dotados de maior valor agregado que os combustíveis, “deflagrou uma lutaentre a nova indústria do petróleo e a indústria química tradicional, da qual resultou que a empresapetrolífera moderna se integrou à petroquímica, de sorte tal que inexiste grande empresa internacional depetróleo sem um braço petroquímico. Por seu turno, a indústria química tradicional, para assegurar apreservação da sua posição de vanguarda, procurou também se integrar, seja up-stream (por exemplo,constituindo grandes instalações de craqueamento de nafta ou adquirindo acervos de refino de petróleo),seja down-stream (investindo na química fina, na biotecnologia ou nas especialidades plásticas)” (Castro,1996: 81). Assim sendo, adverte a autora, “tem-se assistido na indústria química e petroquímica a umintenso processo de integração vertical das firmas em oligopólio, que se acelerou com a recenteglobalização. As firmas líderes mundiais do setor mostram elevado grau de integração ao longo da cadeiaprodutiva, seja para a frente (em direção a novas etapas do processamento industrial superior), seja paratrás (em direção a fontes firmes de suprimento de matérias-primas, de modo a assegurar-se condiçõesprivilegiadas de produção)” (Castro, 1996: 82).
trabalhadores relativamente estável, há nestes ramos uma crescente subcontratação deparcelas da força de trabalho que não dispõem de qualquer vínculo empregatício formalcom as empresas, que não fazem parte dos “seus” trabalhadores, que vão sendodeslocadas do conjunto dos trabalhadores químicos, apesar de se constituir como parcelada força de trabalho indispensável para as empresas. Também, como conseqüência óbvia,deixam de ser representadas pelos sindicatos de químicos.
Os itens a seguir se dedicam à descrição de dois destes casos de empresas docomplexo que utilizam força de trabalho majoritariamente feminina. Cruzam-se, assim,formas de divisão sexual do trabalho com formas de precarização e fragmentaçãoprovenientes da subcontratação, por sua vez vinculadas a processos de reestruturaçãoprodutiva que não desmontam os patamares anteriores de verticalização. O exemplotorna-se especialmente digno de interesse se contraposto à relação interfirmas queencontramos no setor automotivo. Trata-se de empresas importantes, senão hegemônicas,em seus ramos de atividade - respectivamente Perfumaria e Sabões e Cosméticos - que seencontram em pontas distantes do núcleo central de básicos e intermediários. Nestasempresas observa-se uma homologia entre manutenção da verticalização e baixos índicesde qualificação, compatíveis com a manutenção ou mesmo com a intensificação de usosdo trabalho bastante próximos do padrão da produção em massa, embora crescentementedesprovidos das formas fordistas de regulação das relações de trabalho como um todo, jáque parte do trabalho requerido vem sendo subcontratado de forma a precarizar osvínculos entre parcelas necessárias da força de trabalho e emprego.
Localizada no ABCDM paulista, a empresa produz diversos itens de higiene bucal. Do ponto de vista de sua estrutura, no que se refere à produção propriamente dita, aempresa se compõe de: Divisão Metalúrgica /Enchimento e Divisão de Plásticos.12
No que concerne ao tipo de gestão e às formas de integração do processo
produtivo, a questão mais evidente diz respeito à repartição da produção, já que o cremedental branco tradicional, (embalado em tubos de alumínio) é produzido pela metalurgia eocupa grande parte do processo do enchimento. Isso justifica o fato de que metalurgia eenchimento produzem em média 9 vezes mais do que a divisão de plásticos.
O setor de fundição e laminação está composto por 80 trabalhadores no total dostrês turnos, todos do sexo masculino. O setor das linhas automáticas, onde ocorre oprocesso de extrusão está composto de 450 trabalhadores. O trabalho desta seção, que
12 A Divisão Metalúrgica/ Enchimento está composta por:1) Fundição: fundição (propriamente dita);laminação; estamparia; 2) Linhas automáticas (tubos de alumínio); 3) Fabricação de cremes: enchimento;4) Fabricação do fio dental; 5) Fabricação dos enxaguadores bucais (que se misturam pelas seções). ADivisão de Plásticos está composta por: injeção de plásticos; cabos; caixas plásticas; caixas de fio dental;tubos pump; tampas; ombro e fábrica de escovas (a ser transferida, na época da visita, para a plantainteiramente construída para este fim), composta por sua vez das seguintes seções: encerdamento, hotstamping; fábrica de tubos e laminados, também localizada em outra unidade, frontal à unidade anterior.
mistura homens e mulheres, exige que os trabalhadores saibam como operar as máquinas,mas obedece à mais estrita lógica taylorista da quantidade, da unidade entre trabalhador,posto e tarefa. A qualificação requerida é obtida “ao pé da máquina". O treinamento érealizado no próprio setor e quando o novo operador está "pronto", seu trabalho émonitorado por um operador(a) mais antigo(a).
A fabricação de cremes dentais, por sua vez, é realizada por trabalhadores do sexo
masculino na sua totalidade, que são mais qualificados. Já os setores de enchimento debisnagas e tubos, ainda que com características diversas entre si, são exclusivamentefemininos, bem como o dos enxaguadores bucais. A mesma predominância detrabalhadoras foi observada no que se refere à produção de escovas de dentes, a sertransferida, num futuro próximo, para a nova fábrica. Note-se que, neste setor privilegiadonas estratégias de transformação, predomina o uso taylorizado do trabalho feminino.
A empresa vive, no momento, processos bastante particulares de sua história, poisfoi comprada por outro grupo empresarial que já atuava no mesmo setor. Os capitaisanterior e atual são de origem norte americana e a compra, bem como as transformaçõesdaí decorrentes, relacionam-se estreitamente com as mudanças de estratégias de mercadoe de inserção no Mercosul. Assim, sua compra foi o resultado não de problemas demercado, mas de seu sucesso, pelo menos no que se refere ao carro chefe de suaprodução, cujas características em termos de processo de trabalho, permanecem - salvopor mudanças pontuais de algumas parcelas de seu maquinário, que aumentam aprodutividade sem alterar os conteúdos dos postos de trabalho - bastante inalteradas.
Vêm ocorrendo, portanto, um conjunto de transformações significativas no que se
refere à estrutura e às formas de gestão da empresa, sem que seja alterada a marcanteverticalização da produção. Assim, ao lado dos processos de trabalho e produtostradicionais, já alterados antes da última venda, por uma estratégia de alcançar, peladiversificação, nichos diferentes de mercado (ao lado do creme dental branco, váriosoutros tipos de creme dental tais como infantis, em gel, com clorofila, maiores quantidadesde flúor, etc.), a empresa transformada se reestrutura por uma estratégia de focalização,não da produção, mas do mercado. Esta estratégia, denominada focus factoring, estásendo implementada por investimentos de grande porte em uma nova unidade deprodução, cujo produto - as escovas de dentes - tem em vista a abertura de novaspossibilidades de venda para os países do Mercosul, bem como para estratos de baixarenda do mercado interno.13
A nova fábrica, apesar de se configurar como uma unidade de negócios (unitbusiness), está localizada no mesmo terreno da empresa e aproveitou, sem novascontratações significativas, o contingente de trabalhadores que a empresa já possuia. Assim, dentro da própria empresa, estão alocados a manufatura de plásticos que compõemas escovas dentais e o tubo laminado (diferente do tubo de alumínio que caracteriza o tipomais tradicional e mais vendido, também produzido no interior da empresa), assim como a
13 Convém esclarecer que, ao contrário das unidades anteriormente descritas, a nova fábrica vem sendomontada com maquinário mais moderno.
produção dos cremes dentais, que se caracteriza tipicamente por reações químicas porbatelada. Ou seja, a empresa só não manufatura a cartonagem, oriunda da indústria depapelão.
A razão da manutenção desta estrutura verticalizada parece ser a enorme volume,
de produção, já que são produzidos cerca de 2,5 milhões de tubos de pasta dental por dia(além das escovas, fio dental, enxaguadores bucais) e, por outro lado, a necessidade deconfiabilidade nos fornecedores, que deveriam ser capazes de dar conta desta quantidadeproduzida.
Esta parece ser também uma das razões para o estabelecimento de relações
bastante tradicionais com as empresas fornecedoras, inclusive com a manutenção degrandes quantidades de matérias-primas estocadas. A questão está, portanto, apoiada naprodução em massa tanto de seu produto mais tradicional, quanto de seus produtos mais"inovados", como é o caso das escovas de dentes. Assim, os "novos" produtos da empresanão se constituem a partir de uma transformação ou uma revolução de materiaiscomponentes, mas a partir de seu design, de suas "formas", bastante vinculadas a umaestratégia de marketing, bem como da produção de escovas de dente mais baratas embusca da conquista de novos mercados. Apesar de suas inovações de produto, deestratégia de negócios e de maquinário não havia mudanças significativas nos postos ouprocessos de fabricação.
Pode-se perceber, assim, que há inovações nas formas de gestão, há inovações
tecnológicas pontuais, há novas formas de relação entre gerências e trabalhadores, masnão há modificações substanciais no processo de trabalho. Tais transformações, quandoocorrem, parecem ser de caráter mais pontual.
Assim, as noções de focus factoring e de unit business parecem não incidir, ou
incidir muito pouco, nos diferentes conteúdos de trabalho. Seu efeito se centra na questãoda preocupação com a qualidade, o que se vincula às estratégias de mercado ecompetitividade ampliadas para o Mercosul. Não há o menor vislumbre de uma tendênciaao trabalho em equipe, ou de celularização, o que parece revelar os limites damodernização das unidades produtivas.
Pode-se afirmar, nesse sentido, que o processo de reestruturação em curso tem
como móvel a nova fábrica, baseada na focalização e pensada como unidade de negócios(focus factoring e unit business) sem modificar substancialmente o processo e aorganização do trabalho dos produtos de maior consolidação no mercado ou mesmo osprodutos mais "inovadores". As novas formas de gestão parecem indicar mais um ajuste,um rearranjo, do que uma transformação efetiva do processo e organização do trabalho.
Um novo patamar de relações de cooperação entre as empresas, como estratégia
de reestruturação industrial, contraposta à mera subcontratação para a redução de custose precarização das relações de trabalho, não aconteceu nem está nos planos futuros daempresa. Aqui não se verifica, portanto, nenhum sinal de qualquer caminho virtuoso. Na
verdade o que se verifica nos processos de mudança em curso, é a prevalência da lógica daquantidade, mesmo na nova fábrica de escovas de dente, inaugurada em março de 1996. Aliás, enfatizou-se nas entrevistas o fato de a nova fábrica ser ela mesma uma unidade demanufatura e de negócios, com os mesmos patamares de fornecimento interno e demanufatura das unidades antigas, com a manutenção da estrutura verticalizada, queconvive com o trabalho precário e temporário, sobretudo na embalagem. Este processo desubcontratação ocorre no setor de máquinas seladoras, que embalam as caixas de cremedental, onde as condições de trabalho são comprometidas pelo aquecimento (pelanecessidade de queimar o plástico) e pelo cheiro forte. Ali trabalham trinta operários(as)por turno que não recebem os benefícios dos trabalhadores contratados (convênio médico,cesta básica, transporte). Verificam-se, assim, todas as características da "subcontrataçãosuja" ou predatória, na ponta da cadeia produtiva da empresa.
Cabe observar ainda que a grande maioria - mais precisamente 70% dos 1300
trabalhadores contratados - são mulheres, embora haja evidências de uma masculinizaçãodo trabalho das operadoras. As mulheres são as responsáveis pelas parcelas maistaylorizadas do trabalho nas linhas automáticas, nas seções de enchimento, na embalagem. É exatamente na embalagem onde se encontra um dos principais nichos desubcontratação, e de mão-de-obra feminina.
Entre as mulheres, são as operadoras das Linhas Automáticas que produzem
escovas de dentes - exatamente a seção que vem sendo masculinizada - as que parecem seras mais qualificadas, tomando-se como contraponto as seções de enchimento eembalagem. Convém notar, contudo, que mesmo nesse setor, o trabalho é bastante pobreem termos de conteúdo: operadores e operadoras só se revezam em caso de quebra ouparada de máquinas e não há aqui qualquer vestígio de multiqualificação ou mesmo deoperadores multitarefas, a não ser a intenção de aproximar, ao que parece paulatinamente,manutenção e operação.
No enchimento de bisnagas e nos enxaguadores bucais, a predominância de
mulheres é um elemento que salta aos olhos. De um modo geral, as sensibilidadescorporais e cognitivas são utilizadas, quer no controle de qualidade, feito pelas própriastrabalhadoras, quer na recusa ou aceitação dos componentes plásticos das embalagens dasescovas de dentes, ou ainda, no controle do encerdamento. No que se refere aoenchimento, altos graus de mecanização convivem com uma alimentação dosequipamentos que se reveste de características repetitivas e manuais, seguindo o ritmo damáquina. Ao lado da embalagem, configuram os postos tipicamente tayloristas doprocesso.
Assim, embora os homens não estejam a salvo de postos de trabalho taylorizados,
como por exemplo os da fundição, é às mulheres que estes postos estão destinados, semmuita possibilidade de transformação destes conteúdos no interior da própria empresa. Segundo nossa hipótese, isso se deve não apenas ao fato de serem a maioria docontingente da força de trabalho na fábrica, mas porque pressupõe-se uma desqualificação
prévia daquilo que é assignado às mulheres. A predominância do trabalho mecanizadoexplica a incidência de lesões por esforços repetitivos, especialmente entre as mulheres.
Esses elementos conduziram-nos ainda a uma reflexão a respeito da relação dos
usos do corpo no trabalho feminino, que parecem se caracterizar por habilidadesnaturalizadas pelas gerências e pelas próprias mulheres, que vêem os postos de forma tão"natural" quanto as gerências: "É como fazer arroz" (.) "não precisa de requalificação".14
3.3 A empresa B: Maquiando e Perfumando o Taylorismo
A segunda empresa investigada está localizada na zona sul da Cidade de São Pauloe se configura como uma importante unidade do ramo de perfumaria e cosméticos. Aempresa vem passando por um processo de celularização desde o final do ano de 1995 evem implantando uma nova estratégia de mercado em busca dos estratos mais elevados derenda. Sua implantação, no Brasil, obedeceu a uma estratégia de expansão quantitativa demercado, tendo ganho importantes parcelas do consumo de faixas de renda média-baixa ebaixa. Esta estratégia, pari passu com o mix e preços de alguns cosméticos, vem sealterando, apesar da manutenção da estratégia de vendas porta a porta, que sempre acaracterizou. Ao que tudo parece indicar, o ponto de virada da nova investida é umcosmético importado, de preço bastante elevado, que compete com outras marcas queatingiram, também pela venda porta a porta, estratos de renda bastante mais elevados.
No que se refere à fábrica, dois processos de produção em combinação podem serobservados: um processo por batelada e outro de envazamento e embalagem que se separaem células: a do talco, a dos líquidos (sabões, shampoos), dos cremes e a dos batons. Háinspetoras por célula e cada uma destas grandes unidades possui entre 100 e 200trabalhadores. Na embalagem trabalham, aproximadamente, trezentas e cinqüenta pessoas,100 na produção, e o restante como pessoal administrativo. A fábrica como um todoemprega cerca de 1000 trabalhadores.
14 A frase foi enunciada por uma operadora das linhas automáticas e se refere tanto ao trabalho na suaseção quanto ao trabalho na nova fábrica de escovas de dentes. Também gostaríamos de nos remeter a umaspecto que diz respeito à relação entre postos de trabalho femininos e o uso de equipamentos cujoscomponentes tecnológicos sejam investidos de bases técnicas mais modernas. A divisão sexual do trabalhofreqüentemente está associada ao uso de tecnologias mais modernas, o que vem sendo apontado pordiversos autores entre os quais Cockburn (1985), que enfatiza a associação que as empresas tendem afazer entre trabalho masculino e técnica. Leite (1995: 58) aponta também relações que reafirmam estevínculo, em uma empresa do setor metal mecânico localizada no Estado de São Paulo, como se podeconstatar pelas afirmações reproduzidas a seguir: “Há que considerar também que existe uma percepçãoentre as mulheres de que os trabalhos femininos que estão sendo enriquecidos, também estão semasculinizando. Este tipo de percepção ficou clara, por exemplo, entre as costureiras que consideram quea empresa vem contratando mais homens que mulheres para a função”, à medida que ela se enriquece coma integração do trabalho de ajuste das máquinas. Na empresa A este vínculo entre enriquecimento técnicodos postos e masculinização aparece tanto nos relatos das trabalhadoras, como nos dados relativos ao setorde perfumaria e sabões como um todo.
No andar de cima, encontram-se as unidades de mistura e produção dos produtos aserem envasados e embalados no andar de baixo. Aqui, repetem-se as características daempresa A: trabalhadores do sexo masculino, operadores de um processo por batelada,com produção ininterrupta, que limpam, alimentam e controlam os equipamentos. Outroelemento digno de nota é o que se refere , também, de modo idêntico à da empresa A, aosconteúdos dos postos e/ou processos de trabalho: na produção de mistura e reações porbatelada nenhum aspecto poderia lembrar o princípio: um homem, um posto, uma tarefa;no andar de baixo, feminino em sua maioria, a celularização disposta em linhas15 emantendo elementos de articulação por esteira, é marcada por conteúdos de trabalhorepetitivos, com rodízio entre os postos, entre os quais o controle de qualidade. Duranteos períodos de duas horas, entre os tempos de revezamento, a "célula" não apresentanenhum elemento de trabalho em grupo supondo autonomia ou possibilidade de tomadade decisão por parte dos trabalhadores, embora esteja havendo um conjunto detransformações, já que diante de cada linha "celularizada" estão dispostos os espaços degerências e técnicos responsáveis por cada um dos grupos celularizados. 16
Nas linhas celularizadas, há apenas um posto que requer um diferencial dequalificação. Este posto "gargalo" de habilidades diz respeito aos controles deprodutividade e qualidade, colocando dificuldades a algumas trabalhadoras de mais baixaescolaridade. Os demais postos têm conteúdos de trabalho bastante mecanizados emanualizados. Dessa forma, na empresa B, parecem se confirmar, como na empresa A, aidéia de um taylorismo intensificado pelos dispositivos de reestruturação.
Ressalte-se ainda que, tanto quanto na empresa A, o tema da expansão produtiva ede mercado para toda a região do Mercosul está na ordem do dia. De fato, as duasempresas possuem, do ponto de vista de sua importância no subsetor Perfumaria, quanto àcentralidade e ao caráter nacional consolidado de sua abrangência, posições bastanteimportantes. Observe-se ainda que ambas são propriedade de capitais de origem norte-americana e que em ambas vêm ocorrendo processos de transformação que não serestringem às áreas produtivas, havendo, em um caso, a compra da empresa A por outraempresa e, no outro (empresa B), uma nítida alteração dos quadros dirigentes que,segundo as informações obtidas, possibilitaram os processos de alteração em curso.
Trata-se, ainda, de caracterizar um pouco melhor o processo de venda porta a portaque, no caso da empresa B, estabelece, a partir da venda, as necessidades quantitativas daprodução, deslocável de uma área do mix de produtos para outra, assim que as prioridadesse alteram de "campanha para campanha". Isto significa que é a demanda, acompanhadapasso a passo pelas vendedoras, que estabelece a "pauta" de produção e suas variações.
15 - Observe-se que, embora a empresa use a expressão célula para denominar o setor de embalagem, o queexiste na verdade são linhas com rotação de postos. Como a rotação é anterior ao processo decelularização, o que realmente mudou com a inovação foi a inclusão de tarefas de pesagem para o controlede qualidade, maior proximidade com os técnicos e RHs e mudanças qualificadas como atitudinais.
16 Observe-se, especialmente, que o motivo do rodízio não se vincula à celularização. Ele lhe é anterior e,embora tenha sido valorizado pelas mudanças recentes, parece estar mais vinculado à incidência de LERentre as trabalhadoras.
Este elemento é fundamental porque instala o rodízio necessário de trabalhadoras entre aslinhas celularizadas, como também, apesar da base técnica não ter sido inovada, aadaptação do maquinário e do processo produtivo a mudanças rápidas de produção. Éainda importante mencionar que este quadro de "supremacia da demanda" sobre aprodução é muito anterior às formas recentes de reestruturação produtiva. Desde ainstalação desta empresa no Brasil, há cerca de trinta anos, seu processo vem obedecendoa estes cânones que, aliás, parecem ter "feito escola" no processo de distribuição econsumo de cosméticos.
Enquanto na empresa A, há problemas de integração de máquinas de diferentesgerações, bem como transformações nas quantidades do mix de produtos, na empresa B,reiteradamente, há uma questão de integração demanda - produção e de ajuste interno emfunção de alterações bruscas da própria demanda. Assim, tanto em uma quanto em outra,se, por um lado não há qualquer indício de implantação de um just in time externo, háquestões de coordenação interna. Parece, ainda, haver problemas na relação com osfornecedores, sem o estabelecimento de quaisquer parcerias que pudessem indicar umarelação entre empresas de tipo mais cooperativo.
Deste ponto de vista, são as formas internas de coordenação que estão em questãono momento:
"Antes (.) fazia um shampoo, faltava a tampinha, chegava a tampinha, faltava. etc (Antes) funcionava assim mesmo (com os técnicos responsáveis pelos processosafastados das linhas). O controle de qualidade era feito no final da produção. Hojenão existe. O pessoal da linha está sendo sensibilizado que eles são os controles; desdeo começo do processo são eles que fazem a qualidade. Não ficam esperando no finalda linha o todo poderoso controle de qualidade dizer serve ou não serve. Como a coisaera assim, passava tudo errado, 'não vai rejeitar mesmo lá, não tem por que eu ficarcaprichando' "
No que se refere à questão da polivalência, a RH afirmou a idéia demultifuncionalidade, reforçando a imagem do envolvimento de todos. Apesar do rodízioser anterior, "em razão dos movimentos repetitivos".
É curioso perceber que, na celularização da embalagem, a maior transformaçãoocorreu no trabalho dos técnicos com funções de gestão e poderes associados à dimensãogerencial. A grande mudança das linhas/células, além daquela enfaticamente qualificadacomo de envolvimento, é a que diz respeito ao controle de qualidade e pesagem. Nessesentido, alteram-se os conteúdos do trabalho de técnicos, de gerências e supervisão maisdo que o trabalho produtivo das linhas:
"O que mudou para o pessoal da linha de montagem é que eles só vão sofrer aconseqüência. Estão percebendo que vão ter mais suporte. Estas pessoas (técnicos)que estão aqui na célula: o programador, o planejador, o RH, uma pessoa da áreafinanceira, um supervisor. Eles só cuidam dessas pessoas agora. Por exemplo, o
supervisor que está cuidando só de bisnagas é aquele que cuidava da fábricainteira”17.
Este processo, porém, tem apresentado "gargalos" que podem ser identificados,
sempre ao nível de quem está realmente sendo objeto de reestruturação - técnicos,supervisores, planejadores - nos elementos relativos à estrutura de cargos e salários quepermanece apresentando descompassos em relação aos conteúdos de trabalho. Em relaçãoaos 200 trabalhadores de uma célula, as conseqüências foram descritas como se segue:
"Essas seis pessoas (técnicos e supervisores), estão cuidando para que demanhã quando eles (os trabalhadores) cheguem, às sete horas, estejam lá oscomponentes que são o vidrinho, tampinha, tudo o que é necessário para produzirdurante o dia, o número de pessoas adequado, o FI (produto pronto, sem embalar) quevem lá de cima, a máquina arrumadinha: que o cara entre e comece a trabalhar, que éo ideal da empresa. Que não aconteça o que acontecia antes. Exatamente isso: foiprogramado o shampoo, mas não vai ser feito o shampoo hoje, sabe? Por que nãochegou o componente do produto; só que aí o cara não avisou o outro, o mecânico jáarrumou a máquina que demora uma hora pra você adaptar. Este tipo de coisa é queleva tempo e desgasta as pessoas da linha. Eles estão percebendo maior organização,maior limpeza, porque eles mesmo passaram a se respeitar, cuidar de seus cantinhos. Você sabe que eles podem dar sugestões e as sugestões têm que ser analisadas, dado oretorno, essa é outra mudança grande; então eles passaram a ter pessoas cuidandodeles e, ao mesmo tempo, estão sendo exigidos para dar ação participativa. Nósestamos vendendo isso: tá todo mundo no mesmo barco, tanto suporte quanto linha; seafundar, afunda todo mundo junto. Para que não fique uma situação de comodismotambém: não tem aquele produto, não vou trabalhar (.) E, depois, tem que produzircorrendo para poder dar conta, porque a produção do dia está marcada. Então o queelas dizem é o seguinte: 'a gente quer trabalhar organizado, direitinho'. "
Observe-se, na fala reproduzida acima, um rumo que confere à celularização ocaráter de racionalização do trabalho e de sua distribuição ao longo do dia. Estaracionalização e busca de previsibilidade do trabalho, ao que tudo parece indicar, parte dopressuposto de uma adesão naturalizada aos postos e linhas. Há porém alguns problemasadicionais advindos de requisitos de eqüalização do trabalho temporário que, como sepode depreender das observações relativas à constituição das quantidades e qualidadesproduzidas a partir das demandas, parece ter sido uma constante na empresa, há maistempo do que a celularização. Se esta combinação de racionalidade, previsibilidade eregularidade do trabalho supõe intensificação ou não é uma questão a ser verificada. Dequalquer forma, fecha poros e regulariza tempos, introduzindo uma racionalidade que secombina com uma estratégia específica de mercado. Tal estratégia (porta a porta) pareceter sido e continuar sendo eficiente e apropriada aos interesses da empresa e ao seu modoespecífico de coordenar demanda de mercado e produção.
17 - Observe-se que, embora o trabalho dos técnicos tenha tido seu escopo diminuído na medida em quepassaram a se dedicar apenas a uma linha, o trabalho foi enriquecido por uma maior possibilidade deintervir na integração entre os setores da fábrica, bem como de coordenar a integração entre trabalhadorescontratados e subcontratados.
Há ainda um elemento, o poder de sugerir, que provocou conflitos importantes,pari passu com graus maiores de valorização e auto-valorização dos trabalhadores daslinhas celularizadas. As sugestões podem ser lidas à luz das implicações que permitem quese perceba o processo de participação entre os trabalhadores e trabalhadorascelularizados, tal como Humphrey (1993) o tematiza, como uso do saber dostrabalhadores, não mais como um conjunto de conhecimentos que eles manipulam a seufavor, mas como um conjunto de técnicas apreendidas de forma pragmática, um conjuntode modos operatórios desenvolvidos para além do trabalho prescrito, doravante utilizadosa favor da empresa. A competição entre as trabalhadoras e trabalhadores da embalagempode se relacionar com essa dimensão. Mais uma vez, o que parece ocorrer é umamudança que distingue os que "dão sugestões".
Uma das novidades da celularização a necessidade do relatório, antecedido pela
pesagem parece se configurar como um dos mecanismos que têm colocado novasexigências às trabalhadoras das linhas celularizadas. As que não conseguem desempenhara tarefa com a desenvoltura suficiente, desenvolveriam mecanismos compensatórios, hoje,também, valorizados pela celularização, tais como uma dedicação maior à limpeza,sobretudo antes do trabalho começar, bem como um empenho maior nos outros postos dorodízio. Este é o elemento mais visível das mudanças que têm ocorrido nos postosfemininos de trabalho. É em função deste elemento que os requisitos de qualificação,referidos à escolaridade estão se transformando. Entretanto, mesmo mediante um aumentode escolarização, o ápice das promoções entre as mulheres parece ser a posição desupervisão. Em geral, a transformação de um trabalhador da embalagem, um ajudante deprodução em mecânico ou operador, remota, embora possível, parece requerer que estetrabalhador seja um homem. Pode-se identificar, assim, um destino de gênero na empresaque atrela o trabalho feminino às seções de embalagem, ou no máximo, ao trabalhoadministrativo, o que suporia, evidentemente, outros patamares de qualificação eescolaridade.
Quanto à contratação, parece haver uma porta de entrada que é a agência deemprego temporário, bem como os padrões de desempenho no trabalho observadosdurante os períodos de experiência na empresa. Note-se porém que a questão centralcolocada pela empresa é o vínculo entre demanda e produção o que supôs e continuasupondo o uso de trabalho temporário, feminino em larga escala.
Assim, tomando o complexo como um todo o que se pode perceber é, em resumo,uma diversidade de lógicas. O subsetor em que se localizam as empresas A e B apresentana sua totalidade, isto é, em São Paulo e no ABCDM, uma masculinização da força detrabalho empregada, conforme demonstra a evolução do emprego entre 1986 e 1993. Issonão significa, entretanto, uma diminuição efetiva do contingente feminino, mas suaprecarização. Tanto na empresa A como na empresa B, um conjunto de segmentações seredefinem.
Do ponto de vista da escolaridade, há uma demanda crescente por escolarização e,na empresa A, observa-se a oferta de escola propedêutica para os trabalhadorescontratados, para além das horas de trabalho, além dos cursos de treinamento queapontam para a questão da qualidade. Esta oferta tem, para as mulheres, uma dimensão detempo suplementar fora de casa e um caráter compulsório, já que, findos os cursos deprimeiro grau na empresa, não caberão nos seus quadros trabalhadores com menorescolaridade18. Na empresa B, há entendimentos para a implantação da escolapropedêutica, especialmente em função do rodízio que evidenciou um déficit escolar napesagem e controle de qualidade. Com ou sem escola propedêutica, é importante notarque nas duas empresas, os postos femininos são aqueles cujo conteúdo é fortementetaylorizado, onde prevalece a lógica quantitativa da produtividade. O horizonte deascensão para as mulheres é visivelmente diverso. A assignação de postos acabaconfigurando um “destino de gênero” que as confina nos limites estreitos do trabalhorepetitivo ou as relega ao trabalho subcontratado sem os benefícios do berçário (empresaB) ou auxílio berçário (empresa A), transporte, escolarização, convênio médico para si epara seus dependentes, etc. Este welfare privado configura um patamar que confere aoemprego uma dimensão que extrapola em muito a salarial. Dessa maneira, o que ressalta éuma lógica da quantidade que impera sobre o conteúdo e a organização da produção, semuma forma fordista de regulação para o conjunto da força de trabalho necessária. Perdem-se os conteúdos universalizantes de uma política de bem-estar, que se configura em novasformas de segmentação, para além da redefinição da divisão sexual do trabalho.
Do ponto de vista da contratação, houve para o subsetor como um todo uma visívelretração, nos anos noventa. Soma-se à intensificação do trabalho, o uso da subcontrataçãode mulheres de empresas de serviço temporário. Nas empresas estudadas, especialmentena empresa A, masculiniza-se o vínculo estável, feminiza-se o trabalho precário. Entretanto, quando incluídos, homens e mulheres passam por processos de racionalizaçãoe treinamento que, para além da escolarização, pretendem produzir consentimento de umnovo tipo e uma conduta que racionalize o conjunto da vida. A inclusão tem comopressuposto novos patamares de adesão, que, apesar de requeridos, também nãorepresentam escudo ou garantia contra a situação de desemprego ou trabalho precário. Nocaso da empresa B, o trabalho temporário é uma das portas de entrada para o vínculoempregatício. O mesmo não acontece com a empresa A. Resta porém uma dúvida queperpassa toda a situação das empresas químicas que caminham em busca de maioresíndices de escolaridade dos “seus” trabalhadores. Dada a situação de retração do mercado,por que estas empresas oferecem escola propedêutica ao invés de demitir e contratar? Aoque tudo parece indicar, porque o que se requer vai além da escolaridade formal, emdireção a uma racionalização de outro tipo, tematizada como envolvimento.
18 - O resultado é um aumento da disputa por empregos no turno das 22:00 às 6:00 (que permite que asmulheres fiquem menos tempo fora de casa durante o dia), que vem sendo viabilizado pelas empresasatravés de expedientes que as isentam do cumprimento da lei constitucional que proíbe o trabalhofeminino no turno da noite.
Pode-se supor, ainda que provisoriamente, uma solidariedade entre verticalização esubcontratação, bem como o fato de que este tipo de situação configura trabalhadoras quenão se incluem nem nas empresas, nem na categoria e em suas formas de representação. Estes trabalhadores e trabalhadoras estão invisibilizados, tanto do ponto de vista de seusvínculos formais e seus benefícios, quanto do ponto de vista das esferas de representaçãosindical. Diante deste quadro, “direitos” e “privilégios” de um welfare que não seuniversaliza porque tem uma natureza empresarial privada se contrapõem a situações detrabalho onde a própria divisão sexual do trabalho se redefine dentro e fora dos contratos. Inclusão e exclusão se imbricam criando uma multiplicidade de situações que se definempela lógica taylorista/fordista, sem a forma de regulação que lhe foi característica. Entre asmuitas significações da modernização industrial e da flexibilização, inclusão e exclusão seabraçam e, reciprocamente, constituem as novas realidades que desafiam quaisquercaminhos de simples dualização. Conclusão
Partindo de uma análise sobre as relações interfirmas na cadeia automotiva e no
complexo químico, este texto buscou desvendar as diferentes lógicas dessas relações esuas implicações para o trabalho em diferentes pontos da cadeia e do complexo.
Na cadeia automotiva, a dinâmica é dada pela montadora, que se encontra mais
próxima do consumidor final e que, a partir do processo de reconversão produtiva, vemtransformando a estrutura industrial ao longo de toda a cadeia, com a terceirização departes do processo produtivo e o estabelecimento de relações com os fornecedores quevai precarizando as firmas da cadeia a montante. Convém lembrar, contudo, conformedesenvolvemos na parte 1, que esse processo não se dá da mesma forma para todos osfornecedores, podendo haver diferentes graus de precarização de acordo com aimportância do item produzido para a garantia da qualidade do produto final. O resultadodessa rede de relações desiguais é um processo ao mesmo tempo virtuoso (nasmontadoras e nos fornecedores mais importantes) e precarizador (nas fornecedoras departes menos fundamentais para a garantia da qualidade do produto final).
No complexo químico, a rede de relações se estabelece a partir da geração da
matéria prima, pelo destino dos insumos para os vários ramos da produção final e a pontaalta da cadeia está nas empresas de primeira geração, no núcleo central ou de base docomplexo onde estão os processos tecnologicamente mais sofisticados e não nas que estãomais próximas do consumidor, onde os processos de fabricação tendem a ser mais simples. Nesse caso é nas primeiras que se concentra o enriquecimento do trabalho. Já nasempresas mais próximas do consumidor, como as duas aqui analisadas, o processo dereestruturação segue lógicas baseadas na diminuição de custos, na produtividadeassentada na quantidade e na retaylorização. Conforme vimos ao longo do texto, atendência à desverticalização não é encontrada nessas empresas e a flexibilização daprodução é garantida através das técnicas de subcontratação que precarizam as relaçõesde emprego e trabalho.
Também no que se refere à questão da divisão sexual do trabalho, há expressivasdiferenças em como ela aparece na cadeia automotiva e no complexo químico. Noprimeiro caso, como afirmamos anteriormente, parece haver uma solidariedade entre asformas pelas quais se estabelecem as relações interfirmas e um outro arranjo entreestabilização e qualificação de um lado e trabalho repetitivo e desqualificado, por outro. Assim, evidenciou-se na montadora a importância do treinamento, com conteúdostécnicos significativos, salários superiores aos pisos, diminuição das diferenças entre otopo e a base da pirâmide salarial, condições estas que não se repetem ao longo na cadeia,especialmente em uma das empresas investigadas no setor de autopeças. As relaçõesinterfirmas, neste caso, estabelecem patamares de divisão do trabalho que concentramtarefas de maior valor agregado na montadora, deixando o trabalho de conteúdo repetitivoe simplificado para as fornecedoras. Competitividade e preços baixos, de um lado,estabilização e qualificação na empresa montadora, de outro, parece instaurar uma lógicade precarização ao longo da cadeia.
É aqui que reaparece uma das configurações da divisão sexual do trabalho: nasrelações interfirmas, ao lado da montadora, encontramos as “meninas do volante” cujospostos, a exemplo do que acontece com as trabalhadoras das indústrias de Perfumaria eSabões, são de pouco conteúdo técnico, em que a multifuncionalidade significa apenasrotação ou integração de tarefas destituídas de conteúdo. Na fábrica de autopeças, tantoquanto nas de perfumaria e cosméticos, a idéia de um confinamento das mulheres a postose seções se repete. Se no último caso este confinamento se refere à embalagam,envazamento, etc, na autopeças elas estão circunscritas às seções de acabamento, onde otrabalho feminino, como já relatamos, se limita a tarefas destituídas de conteúdo, comopor exemplo, colar e costurar peças de couro em torno do volante e a“multifuncionalidade” diz respeito apenas à integração da colagem com a costura. Adistribuição de postos corresponde à distribuição desigual dos treinamentos. Semformação não se pode mudar de posto. Sem a possibilidade de mudança de posto, isto é apassagem para níveis mais altos de operação, as oportunidades de formação tornam-sesem sentido. Esta parece ser a mecânica do confinamento, de resto semelhante àimpossibilidade ou a graus extremos de dificuldade de ascensão que configuram os postosfemininos na indústria de cosméticos, perfumaria e sabões. Esta configuração destina àsmulheres, nos exemplos investigados, cursos de treinamento de conteúdo basicamenteatitudinal, já que os cursos de conteúdo técnico destinam-se a trabalhadores cujos postosestejam mais vinculados ao manejo de equipamentos técnicamente mais modernos. Asbarreiras de gênero aparecem, desta forma, como barreiras técnicas e vice-versa.
É assim que, no interior do processo de reestruturação, a antiga divisão sexual do
trabalho é redefinida: as ocupações e postos femininos delimitam assim, nos exemplosanalisados, nichos de trabalho precário subcontratado, postos de remuneração mais baixa,cujo conteúdo ou coincide ou se aproxima de postos taylorizados, conteúdos de trabalhotecnicamente empobrecidos, sem muitas chances de alteração pelo ascenso das mulheres apostos onde o manejo e/ou manutenção das máquinas requeira habilidades que vão alémdaquelas assignadas às mulheres por sua longa e ininterrupta formação no interior dotrabalho doméstico e reprodutivo. Postos sexuados, instrumentos e equipamentos
sexuados configuram um confinamento a um destino precarizado dentro dos complexosou ao longo de cadeias de forma solidária à nova configuração das relações interfirmas.
Outra dimensão importante que aparece como um desafio de grandes proporções,
até pela significação que tem para a constituição das formas e caminhos da reestruturaçãono que se refere às relações industriais, diz respeito às possibilidades de atuação sindical. De um lado, é verdade que a maior parte das empresas confere direitos e espaços departicipação sindical de forma muito relutante, buscando, a partir de situações de riscoconfiguradas pelo mercado de trabalho em retração, individualizar suas relações com ostrabalhadores, destituindo-os das redes de sociabilidade e solidariedade que constituemsua identidade coletiva. Assim, do ponto de vista da representação dos trabalhadores doComplexo Químico, apesar do esforço para manter unidos os vários componentes queconstituem o Complexo, tematizando e se apropriando desta unidade, os sindicatos nãopodem representar ou mesmo aglutinar parcelas importantes dos trabalhadores que sãoforça de trabalho necessária para as empresas, mas que estão invisibilizados: desaparecemdos dados, não se incluem na categoria, cujas negociações não podem incluí-los. Estãoprecarizados, assim, duplamente: por um lado, não dispõem dos benefícios destinados aostrabalhadores que configuram o “corpo” da empresa. Por outro, não pertencem aoscoletivos com os quais convivem e trabalham.
Assim, também, a questão da representação sindical, em relação à cadeia automotivapode ser problematizada nos vários vínculos com sindicatos que representam os grandesramos da divisão setorial da produção. A estrutura sindical brasileira, objeto de umadiscussão que tem a mesma duração da legislação que a criou, encontra mais um desafio,em relação à sua eficácia: as novas relações interfirmas combinam trabalhadores quepertencem a entidades diversas, com graus diversos de possibilidades de representação,apresentando, também deste ponto de vista, formas que combinam graus diversos denegociação, de visibilidade, de possibilidades de reconhecimento de seus coletivos. Cadeias e complexos produtivos apresentam gradientes diversos de precarização,silenciamento, invisibilização e seus opostos - estabilização e qualificação, visibilidade erepresentação - como tessituras combinadas tanto nas teias da produção como nas esferassindicais e políticas da representação, nada indiferente para os rumos do emprego, dasnegociações fabris, setoriais e do reconhecimento público dos trabalhadores, de seusdireitos e de seus coletivos.
Para concluir, valeria lembrar que se as relações entre firmas nos dois setores
apresentam lógicas diferenciadas que, embora obedecendo a dinâmicas e padrõesdiferentes, contemplam nos dois casos a precarização do trabalho, fomentando eaprofundando as segmentações do mercado de trabalho e entrecruzando-se com asdiscriminações presentes na sociedade, outra questão que sobressai é a da discussão domodelo de desenvolvimento que está por trás dessas diferentes lógicas de exclusão. Esta,no entanto, é uma outra questão que só pode ser desenvolvida em outro momento.
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PHILIP TREACY BIOGRAPHY 1966: Born in Ahascragh, a tiny village in County Galway in the West of Ireland. Philip lived with his parents, seven brothers and a sister across the road from the village church. “ As a small child, I loved to watch the weddings there. They were the equivalent of fashion shows to me. The dresses that people wore, I couldn’t believe them, they were inc
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