Cronicário político Paulo Conserva traça um painel da realidade política que
O próprio Paulo Conserva adverte, à título de esclarecimento, que em "Cachupiranga e adjacências - estórias sertanejas", qualquer semelhança com pessoas vivas e mortas será mera coincidência. Que seja, então. Até porque é uma obra de ficção e como tal deve ser lida. Uma narrativa fragmentada em vários crônicas num estilo informal e leve, que é lida com facilidade por qualquer leitor. De qualquer forma, não resta dúvidas de que em, "Cachupiranga e adjacências - estórias sertanejas", o escritor Paulo Conserva observa os fatos do cotidiano para transformá-los em prosa de ficção, sem abrir mão de seu olhar crítico e irônico, principalmente sobre a cena política de qualquer cidadezinha do interior nordestino. Na obra, o autor utiliza-se do fato da emancipação política de um pequeno distrito, como alegoria para retratar o cenário político, ainda dominado, em pleno século XXI, por práticas fisiológicas de um passado que teima em não se acabar. Parece até que estamos mergulhados na leitura de obras históricas do regionalismo literário brasileiro, de autores como José Américo de Almeida, José Lins do Rego ou mesmo Graciliano Ramos. Incrível como mesmo com as parabólicas penduradas nos casebres anunciando os novos tempos da globalização, as pequenas cidades do interior nordestino continuam reféns de práticas e costumes políticos antigos, como se estivessem estacionadas no tempo. Apesar da advertência no início do livro, Paulo Conserva reconhece, sim, que "Cachupiranga e adjacências - estórias sertanejas" é uma realidade. "Está latente na vida do Nordeste. Em qualquer região, em particular no Estado da Paraíba", admite. De fato. A obra pinta com cores vivas, e amargas, personagens que, quem conviveu ou convive no meio da crônica política, já viu ou vê nos corredores de Assembléias Legislativas, das Câmaras
Municipais ou no boca-a-boca em busca de votos nos períodos eleitorais. O Coronel Pafúncio é o mais característico deles. Arremedo de testa de ferro de um deputado de prestígio, o coronel, como é conhecido na pequena Cachupiranga, tem, segundo o narrador, espírito de rico e exibição de vaidade incontrolável. Entre outras "qualidades" do personagem, está a de ser contrário a movimentos grevistas, de ter sido dedo duro na época da ditadura e inescrupuloso, capaz de fazer tudo o que fosse possível para atingir aos seus objetivos políticos. Já o deputado Ademário Timóteo, ou Lalá, como era mais conhecido, é o típico político sertanejo. Eleito deputado numa suplência, só conseguiu assumir o cargo porque um colega parlamentar "adoeceu", prática antiga que vigora até hoje nos poderes legislativos. Um terceiro personagem que se destaca no livro é o Padre Benevides, que, apesar do título não cultiva a tonsura sacerdotal. Assim o descreve o narrador: "elegante no vestir-se, barba sempre aparada e cheirosa, unhas rigorosamente cortadas e limpas, a brilharem sob reluzentes esmaltes, ligeira pinta equivocada de um dos tantos "agitadores da esquerda". (.) Admirado e respeitado por políticos famosos, sempre teve a invejável facilidade de empurrar as portas dos gabinetes, sejam na Câmara Municipal ou na Assembléia estadual". Enfim, um personagem típico do folclore político, que vive às custas das benesses do poder. É em torno desses três personagens que gira a história de "Cachupiranga e adjacências - estórias sertanejas". Nela, outros nomes pontuam a cena, como padres, políticos da esquerda emergente e jornalistas. Enfim, um retrato meio que fiel dos bastidores do jogo político, escrito numa linguagem simples e envolvente.
Paulo Conserva já publicou "A Revolução do Mugiqui", "Navegando no exílio" e "A conquista de Itaporanga". E é do seu exílio em Itaporanga que pensou em escrever este cronicário político do Nordeste atual, que nada mais é do que o Nordeste que vive em câmera lenta, a cultivar crenças e costumes ultrapassados. É um livro eminentemente político, é verdade. Nem por isso deixa de ter uma conotação reflexiva. Utilizando a epígrafe de Abraham Linconl na obra - "Podemos caminhar sem pressa, mas nunca caminhar para trás" - na realidade sertaneja, vemos que continuamos caminhando sem pressa. Infelizmente, esse caminhar nem sempre está sendo para frente. A obra de Paulo Conserva é uma boa razão para, após a sua leitura, descobrirmos nossas culpas nesta realidade que teima em vigorar nos anos 2000. (Correio das Artes, edição de 29,30 de janeiro de 2005)
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