OBSERVATÓRIO DOS DIREITOS HUMANOS Relatório Maio 2010 Direito à saúde de imigrante em situação irregular
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Direito à saúde de imigrante em situação irregular
I. Apresentação do caso
A Agência Piaget para o Desenvolvimento (APDES) veio denunciar ao Observatório dos
Direitos Humanos (ODH) factos que, no seu entender, poderiam constituir uma violação dos
direitos humanos de uma cidadã brasileira, residente em Portugal, mas em situação irregular,
cujo nome manteve no anonimato, a seu pedido, a qual era utente de um dos seus programas
Em síntese, os factos denunciados enunciam-se deste modo:
- S. é uma cidadã brasileira, residente na Póvoa de Varzim, em situação irregular em
território nacional, que se dirigiu em meados do ano de 2009 ao Centro de Saúde da Póvoa de
Varzim, estando grávida de oito meses, para fazer uma inscrição esporádica e ter acesso a
- De acordo com o relato da mesma, essa inscrição esporádica ter-lhe-á sido negada por
quatro vezes, por efeito da sua situação irregular, por entre comentários pejorativos sobre “as
brasileiras” feitos pela funcionária administrativa que a atendeu na última das quatro vezes
que aí foi, duas das quais já após o parto.
- Entretanto, por causa disso, S. teve que se dirigir ao Centro Hospitalar da Póvoa de
Varzim, tendo conseguido ser atendida nas consultas de urgência e posteriormente, após
alguma resistência inicial contornada com o apoio da APDES, nas consultas externas da
especialidade, com o que lhe foi exigido o pagamento de 158,00 € relativo a exames aí
efectuados, apesar da isenção prevista legalmente para o período de gravidez e puerpério, com
o argumento de que não estava inscrita no Centro de Saúde.
- Ora, S. só não estava inscrita no Centro de Saúde porque tal lhe fora negado antes, no
- Em face disso, S. desistiu de fazer a sua inscrição no Centro de Saúde por não estar
- Contudo, S. ficou em débito perante o Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim
Recebida a denúncia e após a sua distribuição ao respectivo relator, foi o Centro de Saúde
de Saúde da Póvoa de Varzim, o Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim/Vila do Conde e a
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Administração Regional de Saúde do Norte (ARSN) convidadas a pronunciarem-se,
querendo, sobre os factos acima relatados, não tendo nenhuma destas entidades dado resposta
atempada ao convite que lhes foi endereçado. Porém, em abono da verdade, refira-se que não
foi possível interpelar o Centro de Saúde da Póvoa de Varzim, dado que o seu endereço
electrónico, constante do site oficial da ARSN, veio a devolver a mensagem que lhe foi
remetida, sendo certo ainda que os próprios números de fax e de telefone constantes do
mesmo sítio na Internet também estavam desactualizados. Além disso, o Centro Hospitalar da
Póvoa de Varzim/Vila do Conde veio a responder tardiamente à interpelação feita, alegando
que cobrou as taxas devidas, cumprindo assim os preceitos legais e regulamentares aplicáveis,
muito embora tenha ressalvado que o anonimato da utente em questão não lhe permitia a
consulta dos seus ficheiros para apurar em concreto o sucedido.
II. Enquadramento jurídico na perspectiva dos direitos humanos a) Direitos dos imigrantes
Como se sabe, o artigo 15º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP)
estabelece que “os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal
gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português”, exceptuando-se, em
certos casos, os direitos políticos e aqueles direitos e deveres reservados pela Constituição e
pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses (cfr. n.os 2 a 5 do artigo 15º da CRP).
Em primeiro lugar, salta à vista que a CRP não condiciona a equiparação de direitos dos
estrangeiros ao facto dos mesmos residirem legalmente em Portugal, ainda que se entenda que
a expressão “residam em Portugal”, constante do citado preceito constitucional, tem ínsita a
ideia de residência legal. Na verdade, a CRP abrange também os casos de estrangeiros que se
encontrem em Portugal, pelo que se tem necessariamente que entender que os imigrantes em
situação irregular devem beneficiar da equiparação constitucional, uma vez que se encontrem
1 Esta questão tem a sua importância prática, e não apenas semântica, dado que se tem entendido, pese a controvérsia, que os estrangeiros cuja entrada em território nacional é recusada e que ficam detidos à espera de repatriamento nos postos fronteiriços, não se encontram (ainda) em Portugal, pelo que não podem beneficiar da protecção constitucional emanada do citado artigo 15º da CRP.
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Por outro lado, o artigo 15º, nº 1 da CRP não distingue entre direitos, liberdades e
garantias, por um lado, e direitos económicos, sociais e culturais, por outro, apesar do
tratamento diferenciado que uns e outros têm na sistematização constitucional, pelo que não
parece que se possa restringir o âmbito da referida norma apenas a um ou outro grupo de
De resto, este regime é aquele que melhor se compagina com a Declaração Universal dos
Direitos Humanos (DUDH), a qual serve de matriz interpretativa e integradora à CRP (cfr.
artigo 16º, nº 2). De facto, a DUDH consagra uma proibição de discriminação no que respeita
à origem nacional, não fazendo distinções entre cidadãos nacionais e outros, já que os titulares
dos direitos são todos os seres humanos.2 É certo que a DUDH vigora, antes do mais, na
ordem internacional e não tanto na ordem interna, mas na medida em que informa a CRP, nos
termos do seu artigo 16º, nº 2, então o sentido e alcance dos direitos consagrados nesta deve
ser lido de harmonia com aquela. Em qualquer caso, a equiparação entre cidadãos nacionais e
estrangeiros também se pode alicerçar no princípio da dignidade humana (cfr. artigo 1º da
b) Direito à Saúde
Aclarada essa questão, convém então dilucidar o conteúdo do direito à saúde, para aferir se
Na CRP, o direito à saúde integra os chamados direitos fundamentais sociais, tendo a sua
previsão expressa no artigo 64º (“Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a
2 E nem sempre foi assim: aquando da Revolução Francesa (1789) foi proclamada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, sendo certo que a cidadania era condição de gozo dos direitos. De resto, o conceito de cidadania continua a informar a CRP, daí a necessidade de uma norma como a do citado artigo 15º.
3 É essa a posição de Jorge Miranda (cfr. Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, 3ª edição. Coimbra Editora. 2000, pág. 193) que afirma que “por definição, a dignidade da pessoa, sendo de todas as pessoas, refere-se quer a portugueses quer a estrangeiros. E, se os preceitos sobre direitos fundamentais dos portugueses têm de ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal (art. 16, nº 2), por princípio devem poder valer para todas as pessoas, seja qual for a sua cidadania”.
4 Note-se que a CRP é mais generosa neste capítulo do que a DUDH, a qual dilui o direito à saúde no “direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto (…) à assistência médica” (cfr. artigo 25º da DUDH)
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Porém, além da consagração do direito à saúde em termos genéricos, a CRP impõe ao
Estado um conjunto de deveres tendentes à realização do direito à protecção da saúde, com
especial destaque para a criação de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em
conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito (cfr. artigo
64º, nº 2 da CRP). Existe, portanto, um binómio constitucional no que respeita ao direito à
saúde, já que o direito dos cidadãos tem o seu correlato nos deveres estatais para a realização
do mesmo, já não em termos vagos e genéricos ou meramente programáticos, mas sim de
forma concreta, através de um serviço nacional de saúde universal e geral. Há aqui claramente
um papel dirigente da CRP sobre o legislador ordinário, cuja margem de manobra lhe permite
apenas conformar de uma ou outra forma o serviço nacional de saúde universal, geral e
tendencialmente gratuito, mas não eliminá-lo ou desfigurá-lo.5
No caso português, o legislador ordinário da 3ª República já deu cumprimento ao dever
constitucional de criar um serviço de saúde universal, geral e tendencialmente gratuito, sendo
este actualmente conformado por meio da Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei nº 48/90,
de 24 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 27/2002, de 8 de Novembro.
Ora, a propósito da questão que nos ocupa, a Base XXV desse diploma legal estabelece que
“São beneficiários do Serviço Nacional de saúde todos os cidadãos portugueses” e que “São
ainda beneficiários do Serviço Nacional de saúde os cidadãos estrangeiros residentes em
Portugal, em condições de reciprocidade, e os cidadãos apátridas residentes em Portugal”. Por
outro lado, a Base XXXIII da mesma Lei estabelece que o Serviço Nacional de Saúde é
financiado pelo Orçamento do Estado, mas que os serviços e estabelecimentos do Serviço
Nacional de Saúde podem cobrar receitas, nomeadamente o pagamento de cuidados prestados
a não beneficiários do Serviço Nacional de Saúde quando não há terceiros responsáveis (cfr.
n.os 1 e 2 c)), além das taxas moderadoras, que constituem também receita do Serviço
Clarificando este regime, no que ao acesso à saúde por parte de imigrantes se refere, foi
publicado o Despacho do Ministério da Saúde com o nº 25.360/2001, de 16 de Novembro6, no
qual se estabelece, por um lado, uma equiparação dos cidadãos estrangeiros legalmente
residentes em Portugal aos cidadãos portugueses para estes efeitos (cfr. artigos 1º e 3º) e, por
5 Para maiores considerações a este respeito, pode consultar-se o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 39/84.
6 DR nº 286, II Série, de 12 de Dezembro
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outro, se faculta aos cidadãos estrangeiros em situação irregular (i.e., que não sejam titulares
de autorização de permanência ou de residência, ou visto de trabalho em território nacional) a
possibilidade de acederem ao Serviço Nacional de Saúde mediante a apresentação de atestado
de residência emitido pela junta de freguesia da sua área de residência, comprovativo de que
se encontra em Portugal há mais de noventa dias. Contudo, nestes casos, os serviços de saúde
poderão cobrar aos utentes estrangeiros as despesas efectuadas, de acordo com as tabelas em
vigor, atentas as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente quanto à situação económica
Com vista a explicitar o sentido e o alcance deste Despacho, a Direcção-Geral de Saúde
emitiu, em 07/05/09, uma circular informativa, a qual, além de reiterar o articulado daquele,
admite que os estrangeiros em situação irregular possam ter acesso a cuidados de saúde nos
mesmos termos do que a população em geral (portanto, do que os cidadãos portugueses e
estrangeiros em situação regular), entre outras, em situações de cuidados no âmbito da saúde
materno-infantil e saúde reprodutiva, nomeadamente acesso a consultas de planeamento
familiar, interrupção voluntária da gravidez, acompanhamento e vigilância da mulher durante
a gravidez, parto e puerpério. Ora, o artigo 2º, nº 1 a) do Decreto-Lei nº 173/2003, de 1 de
Agosto, isenta as grávidas e as parturientes do pagamento de taxas moderadoras.
As circulares não constituem fonte de direito, pelo que a sua interpretação da lei não
vincula os particulares nem os tribunais, mas são obrigatórias para os agentes da
Administração Pública, neste caso para os estabelecimentos de saúde.
Por outro lado, as normas legais que densificam os direitos fundamentais sociais, como é o
caso do direito à protecção da saúde e de outros direitos derivados a prestações, beneficiam de
uma eficácia constitucional irradiante, sendo indissolúveis da norma constitucional que os
consagra. Assim sendo, a infracção de tais normas legais constitui sempre uma violação do
direito fundamental a que as mesmas deram corpo. Neste caso, os serviços de saúde violaram
as normas legais constantes do Despacho nº 25.360/2001 acima aludido, pelo menos na
interpretação vinculativa que lhes foi dada pela circular acima referida.
Aliás, repare-se que, neste caso, não há qualquer violação flagrante dos direitos humanos
por omissão legislativa, já que o legislador ordinário deu cumprimento aos preceitos
7 O prefácio deste Despacho aponta justamente no sentido de dar efectividade aos “princípios constitucionais da igualdade, da não discriminação e da equiparação de direitos e deveres entre nacionais e estrangeiros (…), e ainda o direito, também constitucionalmente consagrado, que todos têm à protecção da saúde”.
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constitucionais que garantem o direito à protecção da saúde e a equiparação dos estrangeiros
III. Conclusão
Isto posto, a conduta da funcionária do Centro de Saúde da Póvoa do Varzim que negou o
acesso da cidadã brasileira em causa à consulta pretendida, mediante uma inscrição
esporádica, constituiu indiscutivelmente uma violação do seu direito à protecção da saúde,
dado que a mesma tinha acesso ao Serviço Nacional de Saúde, bastando para isso apresentar
um atestado de residência, comprovativo de que residia há mais de noventa dias em Portugal,
Por outro lado, a posição do Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim que debitou à mesma
cidadã as despesas com a assistência médica que lhe foi providenciada configurou uma
violação do princípio da igualdade no que respeita ao acesso aos cuidados de saúde (não
enquanto privação do direito à protecção da saúde, mas sim enquanto oneração injustificada
do mesmo), dado que, em concreto, as cidadãs portuguesas na mesma situação (grávidas ou
puerpérias) que esta cidadã brasileira, não teriam nada a pagar neste caso, já que beneficiavam
não só de isenção de taxas moderadoras como também do carácter tendencialmente gratuito
do Serviço Nacional de Saúde, assegurado pelo seu financiamento por meio do Orçamento de
Assim sendo, na medida em que os agentes da Administração Pública que protagonizaram
as condutas acima descritas actuaram no exercício das suas funções, enquanto comissários do
Estado português, é este, em última instância, o responsável, enquanto comitente, das
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