Artigos Teoria da Complexidade: Percursos e Desafios para a Pesquisa em Educação Adriana Marques Paderes*
Professora das Faculdades de Valinhos - FAV
e-mail: [email protected]Regina de Brito Rodrigues Sonia Regina Giusti
Especialista em Recursos Humanos na Gestão
de Negócios - Faculdades São Judas Tadeu
Abstract
Reflete-se, neste artigo, sobre os princípios da
This article is reflected on the principles of the
Teoria da Complexidade, formulada por Edgar Morin.
Theory of Complexity, by Edgar Morin. Taking in
Partindo do pressuposto de que o novo paradigma é o
consideration the postulation that the new paradigm
resultado da crítica ao pensamento científico orientado
is the result of the criticism of scientific knowledge
pela lógica cartesiana, parte-se desta crítica para
oriented by the cartesian logic, it is from this criticism
apresentar os princípios teóricos do modelo emergente.
that the theorical principles of the emrging model is
Em seguida, as questões relativas ao método -
going to be presented. In the sequence, the aspects
compreendido como diretrizes para o trabalho dos
related to the method - known as directions for the
pesquisadores que optem pelo paradigma teórico –
researcher´s work that chose the theorical paradigm -
são abordadas. Em ambos os momentos, o campo de
are studied. In both moments, the research field refers
pesquisa referido é o da educação, em seus múltiplos
to education, in multiple ways. Yet, this text observed
desdobramentos. Contempla-se ainda a síntese dos
the synthesis of the chalenges proposed by Morin for
desafios propostos por Morin para a educação do
Key-words: Theory of complexity, Emergin Palavras-chave: Teoria da Complexidade,
paradigm, Research methodology, Education.
Paradigma emergente, Metodologia de pesquisa,Educação. * Bolsista FUNADESP - Fundação Nacional de Desenvolvimento do Ensino Superior Particular
Adriana Marques Paderes, Regina de Brito Rodrigues, Sonia Regina Giusti
Refletir sobre as alternativas abertas pela
A crítica ao modelo hegemônico de ciência
Teoria da Complexidade como referencialteórico-metodológico para a pesquisa em
Educação requer, em primeiro lugar, que situemos
o seu surgimento no contexto da quebra de
paradigmas que caracteriza a segunda metade
do século XX. Neste sentido, entendemos quea proposta formulada por Edgar Morin tem as
Nos últimos três séculos, as crenças e
características de um pensamento desafiador e
valores do mundo ocidental apoiaram-se no
estimulante, ainda que “marginal” nos circuitos
paradigma mecanicista, defendido pela física do
cartesiano (CAPRA, apud Ferreira, 2000).
Descartes formulou as bases do “paradigma
mestre” do Ocidente, propondo a separação
desenvolvimento científico desde o séc. XVIII,
entre o sujeito pensante (ergo cogitans) e a coisa
pensada (res extensa), promovendo, por
compreendida a partir dos diferentes aspectos
conseqüência, a separação entre Filosofia e
que compõem esta crítica. Esta reflexão sobre a
Ciência. É este o paradigma objeto da crítica
que está na gênese da Teoria da Complexidade.
necessidade imperiosa e permanente, para Morin
- assegura as condições para o desenvolvimento
possível, à realidade da Educação, este artigo
passa então a apresentar os pilares/princípios que
traços invariantes ou estáveis), análise
aspectos metodológicos que eles implicam.
Incluem-se ainda, nesta apresentação, alguns
tópicos relativos à visão de Educação que a
conversas, certezas e dúvidas, desafios e
caminhos lançaram-se no horizonte, impondo-se, como um painel de alerta permanente, o fato
operações, Edgar Morin sustenta sua crítica nos
problema e não uma palavra solução” (MORIN,
desvios que tais passos/etapas implicaram no
apud LIMA, 2003: 71). Pretender apreender,
modelo cartesiano/mecanicista. A distinção se
nos limites deste estudo, a complexidade destes
torna disjunção quando se separam e se isolam
desafios e destas dúvidas, seria pretensioso.
entidades (fenômenos, processos), sem fazer
Ficam - como reflexões finais, a sinalizar
com que se comuniquem, quando se exclui o
cuidados, posturas, necessidades e a estimular
aspecto oposto como se fosse inexistente. Esta
novas buscas - outras dúvidas. Certeza, apenas
operação fundamentava-se no Princípio da
uma: a de que, como salientado por Morin em
tantos momentos, é com dúvidas, desafios, novas
conhecimento objetivo pretendido: separam-se
buscas e constante autocrítica que a ciência pode
objetos uns dos outros, do seu ambiente e do
dissocia e separa o que, sem dúvida,deve ser distinguido e oposto, mas é
Teoria da Complexidade: Percursos e Desafios para a Pesquisa em Educação
única dimensão, de acordo com a abordagem
pretendida ou o referencial teórico de análise.
dominante, o princípio da lógica clássica,
realidade social, a unidade e o conflito,
dedutivo-indutitvo-identitária. Este princípio
implicava a negação da contradição e fundava-
e a dependência, o objeto e o sujeito,a comunidade e a sociedade, a
se num modelo de causalidade mecânica, que
permitia previsões e o estabelecimento das leis(base do princípio da ordem/determinismo).
O objetivismo - desvio da objetivação -
sustenta-se na ilusão de que o observador reflete
a realidade exterior, quando na verdade a produz.
de verdade quase absoluta à indução,valor absoluto à dedução e pelo qual
Liga-se, assim, à disjunção, como conseqüência
da separação pretendida entre sujeito e objeto,
objetividade pretendida e hoje considerada um
mito. O sujeito conhecedor, nas operações de
distinguir, selecionar, analisar, objetivar, integra
o processo, é ele próprio objeto. A realidade
conhecida o é com a mediação de uma teoria
que opera recortes, elimina aspectos, determinahierarquias. Não há, por isso, como sustentar
enquanto princípio do conhecimento científico,
que o real relatado (narrativa) seja o real de fato.
é substituída, no modelo cartesiano, pela
racionalização, que fundada na “crença de que
cartesiano, afirmava que o conhecimento das
unidades permitiria conhecer os conjuntos dos
o real é perfeita e totalmente racionalizável,
submete o real à lógica do referencial teórico
quais elas são componentes. Assim, o todo seapreenderia a partir da apreensão das partes.
Pela racionalização, a ciência - ocupada
Este princípio resulta no outro desvio: a análise
reduzindo o complexo ao simples, que Morin
em buscar leis e ordem - construía um paradigma
internamente lógico e o aplicava à realidade,
rejeitando o diálogo com as evidências do real,
princípio da ordem (que inclui o determinismo) -
contraditórias à visão de mundo que o paradigma
estabilidade, da lei, da continuidade - requisitos
de um mundo que se queria ordenado, previsível
e controlável -, aquilo que não se identifica como
mestra, o conceito que se “torna o conceito
tal é descartado, ignorado como se fosse
primeiro e final, do qual parte toda a explicação
característico de uma falha teórica. da lei, da
e no qual ela termina” (MORIN, 1986: 125),
continuidade. Se isso não era identificado, era
num círculo de reprodução que não questiona e
devido à falha na teoria. Na tentativa de “tirar”
não se deixa questionar, explicando-se por si
do real aquilo que fosse ambíguo, contraditório
unidimensionalização, caracterizada como uma
visão unilateral, pela eliminação de certos
possíveis algumas reflexões. Enquanto processo
fenômeno, reduzido a um só caráter ou aspecto.
social, a Educação não pode ser reduzida a uma
A complexidade multidimensional da realidade
única dimensão. Ela é, neste sentido, espaço de
social, que é econômica e mítica, política e não
contradições. Ao mesmo tempo que é o território
política, individual e coletiva passava a ter uma
da reprodução da sociedade - e neste sentido,
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impõe conteúdos e práticas de forma coerente
“Toda vida, cada vida, a vida de toda sociedade
com a lógica do sistema - é espaço de liberdade.
só pode ser multidimensional. Não de maneira
Repete e inova, espelha conflitos e produz um
harmoniosa, complementar e realizada, mas no
conflito, no dilaceramento, na contradição”
A pesquisa, neste sentido, se torna limitada
na medida em que privilegia entendimentos
pensada, é a própria complexidade.
exclusivos, tendendo a uma visão pessimista
(quando vê na Educação a mera reprodução das
mais amplo, Morin define a Complexidade - de
estruturas de poder da sociedade) ou a uma
otimista (por desconsiderar as implicações destasestruturas, acreditando que a Educação tudo
pode). Ambas percebem uma única dimensão
do processo e não incorporam a dialética (que
contraditório sempre presente na Educação.
(como o econômico, o político, osociológico, o psicológico, o afetivo, o
contradições, privilegiando dimensões, ignorando
a presença/ interferência do sujeito no próprio
processo de conhecimento, o modelo cartesiano
produziu um pensamento que Morin entende ser
produção, de organização, de indivíduos, de
consciência, de política e ideologia, de
subjetividade e sentimento, de coerções e
reprodução e transformação, de jogo ebrincadeira. No conceito de Morin, estas (e
A Teoria da/para Complexidade
outras tantas, que a lista é extensa), diferentesdimensões se interligam, agem umas sobre as
outras, implicam um ordem (e uma desordem).
confunde com distinguir - tais dimensões. Elas
devem ser pensadas como um todo - que não
se confunde com totalidade, conceito que Morin
abandonou, como já foi visto, e que era já uma
“construção” teórica (e, no limite, uma palavra -mestra).
viu, baseou-se, no pensamento de Edgar Morin,
distingue e analisa, conforme o paradigma
na constatação de seus desvios em relação aos
anterior, mas busca estabelecer a comunicação
princípios do pensamento e da racionalidade e
entre o que é distinguido: objeto, ambiente, coisa
de sua inadequação para que a ciência possa
observada e seu observador. Todo e parte não
tentar compreender o mundo, a sociedade, a
podem se sacrificar um ao outro. E não pode
vida humana. O que é o mundo, a sociedade e a
haver um pensamento linear, que imponha uma
vida humana, neste começo de século XXI?
lógica em que não se contemplem contradições
Teoria da Complexidade: Percursos e Desafios para a Pesquisa em Educação
e desordens. Propõe uma visão “poliocular ou
neste estudo, por relacionar todos, destacando
poliscópica, em que, por exemplo, as dimensões
aqueles que, com mais ênfase, são recorrentes
físicas, biológicas, espirituais, culturais, históricas
daquilo que é humano deixem de serincomunicáveis” (MORIN, 1996: 30). • Princípio dialógico: ordem e desordem,
por exemplo e enquanto termos, são antagônicos.
complexo (Teoria da Complexidade) não se
Pelo princípio dialógico, são, no entanto, termos
confunde com o pensamento do contexto. Não
que, em certos casos, colaboram, produzem
se trata de situar um fato, fenômeno, um processo
num contexto. Trata-se de buscar conexões,
relações, contradições que formam o social.
O princípio dialógico é, neste sentido, a
recuperação da dialética. Para Morin ela acabou
comprometida no Marxismo pelo entendimento
de que a História - no seu devir - pressupunha
uma síntese e que os dois momentos do jogo
dialógico se davam em momentos históricos
o todo organizador de que fazemosparte. . O todo tem qualidades ou
determinismo e o do voluntarismo político). Isto,
para Morin, é negar a dialética verdadeira - na
qual tese e antítese em perene e constante
movimento - jogo dialógico, que produz ocomplexo. A crítica do pensamento complexo à
Marxismo se pode ler no texto abaixo, que
também ressalta o caráter fundamental do
Os princípios que regem a complexidade
E a história, finalmente, a história, que
implicações mútuas, os fenômenos
poderia resumir-se a esta idéia: comoconceber a relação específica entre
princípios. Não são leis - no sentido do modelomecanicista, de caráter invariável. São “princípios
• Princípio de recursão organizacional:
diretrizes” (LIMA, 2003: 80), os quais resultam
com este princípio Morin defende a ruptura com
em uma orientação do olhar do pesquisador
a idéia linear de há causas que geram efeitos;
sobre fenômenos e processos sociais. Ao longo
produtos que são gerados por produtores;
das leituras empreendidas é possível perceber
estrutura que determina superestrutura. Para ele,
que estes princípios são continuamente revistos,
tudo que é produzido volta sobre o que o
ampliados, re-significados. Assim, optou-se,
produziu, num ciclo ele mesmo auto-constitutivo,
Adriana Marques Paderes, Regina de Brito Rodrigues, Sonia Regina Giusti
Morin indica os limites do reducionismo e
também do holismo. Não se trata de valorizar
e também chamado de Princípio do Circuito
Recursivo ou Realidade Recíproca, tem, na
hologramático, estão no todo, mas “o todo está
própria dinâmica entre indivíduos e sociedade,
inscrito na parte. Assim, a sociedade está
presente no indivíduo, através de sua linguagem,sua cultura, suas normas” (MORIN, 2000: 94).
Paralelamente, o todo só se constitui pelas
interações entre as partes e é com elas que
que depende deles. Indivíduos esociedade se co-produzem numcircuito recursivo permanente, em que
• Princípio sistêmico ou organizacional:
emergência, é um derivado do princípio anterior,
baseado na impossibilidade do conhecimento dotodo a partir das partes separadas, ou das partes
sem considerar o todo. De acordo com este
princípio, o todo tem um certo número de
129/130) sugere a pertinência deste princípio na
qualidades e de propriedades que não aparecem
pesquisa e na análise de dados coletados/
nas partes quando elas se encontram separadas.
Quando se encontram numa dada organização,
surgem (emergem) qualidades que são próprias
a transformação de dois átomos de hidrogênio e
um átomo de oxigênio em água. A realidade que
emerge deste encontro - um líquido - é diferente
procedimentos individuais, marcadospela singularidade das experiências,
daquela que existia originalmente - dois gases.
Assim, as partes têm uma qualidade/propriedade
nova, que não existe quando se retira cada parte
desta “organização” específica.
conseqüência, são muitas as relações
• Princípio do Circuito Retroativo: de
acordo com este princípio, que rompe também
com a lógica linear - da mesma forma que o
Princípio da Recursão - as causas agem sobre
os efeitos e os efeitos agem sobre as causas,num equilíbrio dinâmico que regula o sistema e,
• Princípio hologramático: no terceiro dos
princípios fundamentais, Morin reafirma a
equilíbrio ocorre a partir de retroações
impossibilidade de aplicação da idéia cartesiana
de que é possível conhecer o todo a partir do
conhecimento das partes. Para ele, parte e todo
Este princípio baseia-se numa máxima de
Pascal: “Julgo impossível conhecer as partes sem
conhecer o todo, como conhecer o todo sem
conhecer particularmente as partes” (apud
Teoria da Complexidade: Percursos e Desafios para a Pesquisa em Educação
este último - mas não menos importante princípio
- Morin reitera a importância de se observar que
adaptação e modificação do entorno.
“reconstrução/tradução feita por uma mente/
cérebro, em uma cultura e época determinadas”
Recolocam-se assim as questões relativas
Relacionando esta reflexão à Educação,
“reproduza” o real em sua complexidade, à
podemos afirmar que, num projeto de pesquisa,
sempre presente interferência do sujeito - ele
a dinâmica das mudanças poderá ser apreendida
mesmo constituinte do objeto e por ele constituído
como um “diálogo” recorrente dos processos
específicos à instituição com aqueles externos à
escola, por exemplo. E, ao mesmo tempo, como
produzido, a ser superado na história que produz
“diálogo” entre processos - nem sempre
uma nova cultura e, com ela, outras possibilidades
harmoniosos - no interior da própria instituição. • Princípio da autonomia/dependência
(auto-organização): por este princípio a
realidade dos diferentes fatos e processos sociais
não pode ser pensada sem o binômio dialético
da dependência versus a autonomia. Ao mesmo
tempo em que cada sistema tem a sua própria
dinâmica, esta só se sustenta por uma relação
ecoorganização ou Princípio de Adaptação e
Evolução, trabalha a dinâmica de processos
sociais específicos na relação com o contexto/
entorno: “nenhum dos dois pode evoluir em
resposta à mudança sem que produzam ajustes
correspondentes no outro” (Rosenau, apud
Morin salienta ainda que este princípio é
sempre aplicável aos seres humanos “que
desenvolvem sua autonomia na dependência desua cultura” (2000: 95). Do ponto de vista da
Teoria da Complexidade - Questões
Educação, esta dinâmica da autonomia versusde Método
dependência é particularmente rica, sejaenquanto dimensão da prática pedagógica, seja
quanto território para pesquisa, envolvendo os
diferentes mecanismos por quais se dá, ao
contraditória, a emergência do novo no interior
intelecto - o idealismo - que crê
de uma instituição que reproduz o antigo, o já
idéia, e que acaba por considerar
instituído. Trata-se, neste sentido, da dinâmica
• Princípio da reintrodução do racionalização, que acredita que
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andar às cegas na bruma do semsentido, descartando todo o legado
alerta quanto à impossibilidade de um método
fechado, há também pistas, trajetos e reflexões
que auxiliam na definição de um caminho - não
sem atalhos - para a pesquisa com base na Teoriada Complexidade.
Não há, neste sentido, garantias prévias e
o método deve contemplar este ir e vir necessário
o quadro “Características do Paradigma da
Complexidade”, desenvolvido por LIMA (2003:73/74), que terá seus tópicos aqui reproduzidos,
• Um planejamento que não se fecha:
pontuados por reflexões e/ou desdobramentos
“Sistema aberto. Irrupção dos antagonismos no
de Morin e outros autores, bem como aqueles
centro dos fenômenos organizados e irrupção
produzidos ao longo das leituras empreendidas
dos paradoxos no centro da teoria” (LIMA,
Não é possível, com a utilização da Teoria
da Complexidade, definir a priori um trajeto para
conhecimento. Como já abordado no tópico
a pesquisa. Como a realidade complexacomporta imprevisibilidades, a pesquisa deve dar
referente à crítica do modelo hegemônico, são
conta delas, não se fechando - seja quanto a
necessidades de novos aportes teóricos, seja
quanto aos instrumentos de coleta de dados
definido. Vale, a título de reflexão, citar
Guimarães Rosa: “A verdade não está na saídanem na chegada. Ela se dispõe para a gente é no
meio da travessia” (in “Grande Sertão: Veredas”),
lembrando ainda o caráter provisório da verdade
traços invariantes ou estáveis), análise
(decomposição do objeto em suasunidades constitutivas e possibilidade
• Propostas de investigação: “Criação do
objeto), seleção (dos caracteresjulgados essenciais ou pertinentes, do
interação anelar multidimensional, através da
práxis cognitiva, de forma centrípeta e centrífuga
em relação ao objeto de estudo. Requer aconsideração da incerteza como linha direcional,
• Objetivos do conhecimento: “Romper
portanto, é extensa e não redutora” (LIMA,
com o conhecimento parcelar, reducionista e
simplificador e promover uma via que considera
a confusão, a incerteza no pensar e fazer
científicos de maneira multidimensional” (LIMA,
referencial teórico à realidade, o que implicaredefinições e reprogramações. Não há espaço
para comodismo ou acomodação, sob a pena
de reduzir a complexidade do próprio objeto.
A respeito desta dimensão metodológica,
caminho que permitisse chegar aoconhecimento sem tropeçar no erro,
Teoria da Complexidade: Percursos e Desafios para a Pesquisa em Educação
solidárias e conflitivas, que respeita a
nossa historização, sabendo sempreque é impossível seguir todas as pistas,
• Há técnicas e métodos? “A Teoria da
Complexidade não tem metodologia, mas tem
seu método, que se organiza no pensamento dos
vão surgindo em nossa própriaatividade
conceitos sem nunca dá-los por concluídos, é a
consciência antagonista própria da complexidadeque está sempre em conflito (ordem-desordem-organização)” (LIMA,
• Falando em dados e amostras: “Os
dados são considerados devidamente em suas
multiplicidades complexas, isto é, são partes
um constante ir e vir do referencial teórico à
específicas de um todo específico, necessitando,
realidade durante a pesquisa e ressalta-se o
portanto tratamento hologramático. A amostra,
caráter mediador da teoria neste caminho. A
neste paradigma pode apresentar-se pequena ou
teoria não é, assim, uma “camisa de força” que
ampla, estratificada, representativa, aleatória.,
limite o olhar. Ela é apenas caminho/lente-através-
o mais importante é que dentro do seu universo,
necessita ser constantemente revista.
perturbações, as ligações e religações desse
multidimensionalmente” (LIMA, op.cit).
A recomendação refere-se diretamente à
entre a instância lógica e a instância
impossibilidade de partir o fenômeno ou o
abordagem requer sempre o pensar em contexto,
propriedade de um sistema de idéias.
pensando o contexto não apenas como o cenário
em que o processo ou fenômeno ocorre, mas
obscuro, o irracionalizável. É não só
como um todo que age sobre e sobre o qual age
a realidade estudada. Qualquer separação, neste
sentido, seria repor a lógica cartesiana do
capacidade de identificar suasinsuficiências (MORIN, 2003: 23).
conhecimento, objeto de toda a crítica de Morin. “Objetos não podem ser isolados na medida emque sua própria existência depende de interações
• O sujeito que pensa/pesquisa/conhece:
“O sujeito cognoscente se torna objeto do seu
com outros “objetos” e com seu meio “(MORIN,
conhecimento, ao mesmo tempo que permanece
sujeito, numa dialógica recorrente” (LIMA,
hologramático dos dados implica considerar
Se é na dialética dependência/autonomia
também os outros princípios da Teoria da
com relação à realidade social que se faz o sujeito
Complexidade e que se constituem em guias para
- como ressaltado nos princípios que regem a
perceber a trama que se tece (complexus) na
Teoria da Complexidade - a reconstrução do
real operada no processo de conhecimento será
sempre também reconstrução do sujeito que
dialoga com o real. Assim, exige-se uma postura
interrelações e implicações mútuas, os
constante de autocrítica, no sentido de levar em
conta os modelos de pensamento e todos os pré-
Adriana Marques Paderes, Regina de Brito Rodrigues, Sonia Regina Giusti
conceitos que orientam o olhar sobre a realidade.
aplica princípios de coerência aos dados
fornecidos pela experiência, checando-os
permanentemente, abrindo-se ao diálogo com o
mundo real e com o próprio paradigma, para
conhecimento. A reflexão constante sobre o
estúpidas não contestadas, osabsurdos triunfantes, a rejeição de
próprio referencial teórico - para incorporar
novas dimensões e incluir as desordens, os
acasos e as irracionalidades - é condição de
validade para o conhecimento produzido.
Esta reflexão sobre a coerência lógica da
teoria deve ser sempre orientada pelas evidências
do real e não centrada na própria teoria, o que
poderia levar à sua dogmatização, justificando-
Complexidade, a atenção do pesquisador aos
modelos mentais herdados da lógica cartesianae mecanicista devem ser, considerado o alerta
de Morin, continuamente revistos, sob pena de
comprometer todas as etapas do processo de
• Instrumentos: escolhas possíveis:
“Análises, analogias, entrevistas semi-
manipuláveis ao rigor técnico” (LIMA, op.cit.).
diferentes instrumentos. O fundamental é o
multidimensionalidade dos fenômenos incorpora
tratamento dos dados coletados, conforme já
a necessidade de um constante diálogo entre
salientado no item específico. Ressalta-se ainda
diferentes áreas do conhecimento (disciplinas) e
o fato de que, na abertura das entrevistas semi-
estruturadas, o resultado requer a análise em
categorias que não “apaguem” as contradições
internas e ressaltem as interconexões entre fatos,
um jogo de articulação que vaiespecificar melhor essa abordagem. • Análise dos dados: “A análise é
interativa, associativa, intencionando estudar as
múltiplas dimensões do objeto de estudo sem,
contudo, prender-se a quaisquer conclusões
se questionam, se necessáriocontraditoriamente, entre eles,
dos princípios da Teoria da Complexidade
enquanto roteiros para análise e inclui uma
necessária reflexão sobre as características da
racionalidade que opera esta análise. A esterespeito Morin (1986: 135/137) destaca alguns
• Os limites assumidos: “Os problemas
Teoria da Complexidade: Percursos e Desafios para a Pesquisa em Educação
com o uso da abordagem são o enfrentamento
Morin e a Educação - Saberes complexos
da confusão (o jogo infinito das interretroações),
para a educação do futuro
a solidariedade dos fenômenos entre eles, abruma, a incerteza, a contradição” (LIMA,
intelectual marcada pela busca de um novo
modelo para o conhecimento científico, Edgar
“nenhuma fórmula, nenhum princípio, nenhuma
Morin acabou por desenvolver uma concepção
lógica simples poderá descrever qualquer
de educação, sintetizada no seu mais conhecido
fenômeno histórico” (1986:133). E se a bruma,
livro, “Os sete saberes para a educação do
a incerteza e a contradição são problemas, cabe
questionar: como evolui a ciência senão assim?
desenvolveu atendendo a um pedido feito pelaUNESCO em 1999 e que buscava traçar
diretrizes para a educação no século XXI.
A fragmentação do saber - originária do
próprio modelo cartesiano/mecanicista - resultou
na constituição de diferentes disciplinas,
desconectadas umas das outras. Além disso, a
o conceito deve integrar em suadefinição as condições experimentais
cultura científica e a cultura humanista se
conhecimento que não dialogam entre si. De um
lado, ficou a ciência com seus modelos e sua
arrogância. De outro, a filosofia, as artes, o
conhecimento mitológico, rejeitados como
“modalidades inferiores do saber”.
Morin, deixou de atender àquelas que ele
considera suas finalidades fundamentais.
se preferirmos assim dizer, umpensamento “adesivo”; ele é muito
Montaigne); ensinar a condiçãohumana (“Nosso verdadeiro estudo é
o da condição humana”, Rousseau,Émile); ensinar a viver (“Viver é o
E, se assim é, cabe questionar o sentido
ofício que lhe quero ensinar”, Émile);
dos limites que se apontam, enquanto a crítica
deita muitas vezes repõem a lógica das verdades
estabelecidas, das certezas consagradas e doslimites a que umas e outras levaram o próprio
• “Antes uma cabeça bem-feita que uma
conhecimento. E que, em seus desdobramentos
tecnologia -, foram co-produtoras de um mundo
dispersos, Morin propõe a religação dos saberes.
que não respondeu às necessidades fundamentais
Este religar está na origem da “cabeça bem-feita”
e supõe a capacidade de diferenciar e relacionar,contextualizar e globalizar informações,inserindo-as no território da vida.
Adriana Marques Paderes, Regina de Brito Rodrigues, Sonia Regina Giusti
real, leva o estudante ao reconhecimento das
realidades existenciais, das diferenças, das
angústias e das esperanças humanas, das grandes
questões éticas. O objetivo é fornecer subsídios
para o desenvolvimento da própria identidade e
do reconhecimento das verdades singulares de
problemas fundamentais de suaprópria condição e de seu tempo
• Refazer uma escola de cidadania
trabalhado na Educação de forma hologramática,
entendendo-a como também como a negação
do acesso ao conhecimento da complexidade,
transpenetração de conhecimentos até então
Morin (1999: 54) afirma que “a privação do
considerados de forma isolada. Na base desta
saber, muito mal compensada pela vulgarização
mediática, põe na ordem do dia o problema
transdisciplinaridade, como motor deste saber
histórico chave da democracia cognitiva”.
que interrelaciona, questiona e enxerga as
Resgatar este saber religado, relacionado
ao contexto, é - assim - construir cidadaniaplena. Mais que isto, Morin inclui a necessidade
• “Nosso verdadeiro estudo é o da
da Educação contemplar o resgate do conceito
de nação, de cultura, do senso de pertencimento
Ensinar o significado do ser humano é mais
a uma “comunidade de destino” que é local e
global, já que é também consciência continental
que um conhecimento produzido a partir de
disciplinas das áreas de ciências naturais e
ciências humanas. Este conhecimento deve se
basear na convergência destas disciplinas e, por
(In) conclusões
isso, novamente supõe a transdisciplinaridade.
No entanto, não se esgota aí. Para levar o
estudante a “discernir entre nosso destino
individual, nosso destino social, nosso destino
histórico, nosso destino econômico, nosso
destino imaginário, mítico ou religioso” (MORIN,2002: 19), salienta o papel da arte na formação
desta consciência da complexidade da condição
Teoria da Complexidade é preciso confessar. Ela
humana. As grandes narrativas – na literatura e
assusta. Pela dimensão que implica e pelos
no cinema, que tanto ensinaram a Edgar Morin
desafios que lança, pela possibilidade de se
– estão, dessa forma, num lugar de honra nesta
perder o rumo, pela ausência de fios que guiem
proposta de educação para o pensar de forma
o pesquisador no labirinto da complexidade (ou
pela presença dos tantos fios dos quais ela setece e nos quais é fácil se enroscar, embaralhando
• “Viver é o ofício que lhe quero ensinar”,
integral e voltada para a vida que se vive nomundo da complexidade, Morin entende que a
Educação deve ensinar também a viver. A base
deste ensinamento está na ciência, na arte e na
filosofia. Com elas, se constrói uma reflexão que,
examinando de forma multidimensionalizada o
Teoria da Complexidade: Percursos e Desafios para a Pesquisa em Educação
alguns, retomar outros, ir e vir, para vir-a-ser.
ousar promover e fazer, virá a benção, que
pessoa, à constituição do sujeito, sua
também é - contraditória e constitutivamente – a
maldição da vida, que se faz aqui e agora, nesta
realidade que assusta pela sua complexidade.
mas, por outro lado, ela prossegue nosobjetivos que lhe são atribuídos devido
“Real (que) é mistério, mistério nos dois sentidos:
que existe, a iniciação e submissão às
inconhecível; no segundo, é uma cerimônia
jogadas e atuam” (MORIN, 1997: 262). Referências Bibliográficas
ARDOINO, Jacques. A complexidade. In: A Religação
Educação, recoloca-se desafiador. Aponta novos
dos Saberes - O desafio do século XXI, idealizadas e
aspectos para a atuação prática e repõe o
dirigidas por Edgar Morin. 3ª ed. Rio de Janeiro:
problema formulado por Marx: quem educará
os educadores para lidar com o cotidiano das
ESTEBAN, Maria Teresa. Sujeitos singulares e tramascomplexas - desafios cotidianos ao estudo e à
escolas e ousar construir alternativas nas brechas
pesquisa. In: GARCIA, Regina Leite (org.). Método;Métodos; Contramétodo. São Paulo: Cortez, 2003, p.
“Não há resposta propriamente lógica a
esta contradição, mas a vida é sempre capaz de
FERREIRA, Maria Elisa de Mattos Pires. Repensando
a educação à luz do pensamento complexo. In: Revista
trazer soluções a problemas logicamente
Unifieo. Fundação Instituto de Ensino para Osasco.
insolúveis. Não se pode programar e nem mesmo
prever, mas se pode ver e promover”(MORIN,
LECOURT, Dominique. A cientificidade, In: AReligação dos Saberes - O desafio do século XXI,
idealizadas e dirigidas por Edgar Morin. 3ª ed. Rio de
educadores. É, como na questão de método, um
Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p. 521-527.
LIMA, Paulo Gomes. Tendências Paradigmáticas naPesquisa Educacional. Artur Nogueira - SP: Amil,
MORIN, Edgar. Para sair do Século XX. Rio de Janeiro:Nova Fronteira, 1986
Meus demônios. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. Ciência com Consciência. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Complexidade e Transdiciplinaridade: a reforma dauniversidade e do ensino fundamental. Natal-RN:
A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar opensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
Introdução às jornadas temáticas. In: A Religação dosSaberes - O desafio do século XXI, idealizadas e
dirigidas por Edgar Morin. 3ª ed. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil, 2002, p. 13-23. Os desafios da complexidade: In:
Saberes - O desafio do século XXI, idealizadas e
se, ele terá sempre o contraponto daquele ver a
dirigidas por Edgar Morin. 3ª ed. Rio de Janeiro:
responder às contradições. Daí que, para educar
Os Sete Saberes necessários à Educação do Futuro.
plenamente, é preciso ousar também a aventura
8ª ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2003. NAJMANOVICH, Denise. O feitiço do método. In:
incerta do conhecimento da complexidade.
GARCIA, Regina Leite (org.). Método; Métodos;
Deixar-se enroscar pelos fios, desembaraçar
Contramétodo. São Paulo: Cortez, 2003, p. 25-62.
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