Uso do Prediderm® (prednisolona) associado ao micofenolato de mofetil no tratamento de anemia hemolítica imunomediada canina: relato de caso Introdução
A anemia hemolítica imunomediada (AHIM) é caracterizada pela redução no
número de eritrócitos, resultante da destruição por meio de resposta autoimune (1, 2). Tais
respostas são mediadas por anticorpos, as imunoglobulinas IgM e IgG e/ou
complemento (3), sendo que a resposta mediada por IgM na maioria das vezes causa
hemólise intravascular e a por IgG é mediada principalmente por macrófagos presentes
A AHIM pode ser classificada como primária ou idiopática, causa mais comum
da doença, e ocorre quando os anticorpos são direcionados a eritrócitos normais; ou
secundária, quando há alterações antigênicas em casos de neoplasias, drogas, vacinas e
doenças infecciosas como leptospirose, babesiose e erliquiose canina (2, 3, 5). A doença
ocorre mais comumente em cães do que em gatos, sendo que as raças cocker spaniel,
poodle e sheepdog possuem maior predisposição genética, e a idade média de
aparecimento das manifestações clínicas é por volta dos seis anos (6).
As manifestações mais frequentes são fraqueza, intolerância ao exercício, apatia,
anorexia, taquipneia, dispneia, êmese, diarreia e eventualmente poliúria e polidipsia. Os
achados mais comuns de exame físico são mucosas pálidas, taquipneia, taquicardia,
hepato/esplenomegalia (indicando aumento da atividade do sistema fagocítico
mononuclear), febre e linfoadenomegalia (1, 4, 6).
As alterações laboratoriais mais comuns são presença de anemia regenerativa
com reticulocitose (geralmente com hematócrito inferior a 25%), leucocitose, presença
de esferócitos no esfregaço sanguíneo, aumento das enzimas hepáticas,
hiperbilirrubinemia, além de hemoglobinúria e/ou bilirrubinúria, auto-aglutinação e
teste de Coombs positivo (1, 6), porém, cerca de 10 a 30% dos animais são negativos
nesse teste (5). Cerca de 50 a 70% dos animais vão a óbito entre a primeira e a terceira
semana de tratamento, na maioria das vezes, devido a tromboembolismo (4, 5, 8).
O tratamento da AHIM se baseia na imunomodulação, com o objetivo de
diminuir a eritrofagocitose e suprimir a produção de imunoglobulina, o qual pode ser
associado a transfusões com sangue total ou concentrado de hemácias, quando
necessário (7). Existe uma grande variedade de agentes imunossupressores que podem
ser utilizados como tratamento para a AHIM, como corticoesteróides, ciclosporina,
ciclofosfamida, gama globulina humana, danazol, micofenolato de mofetil, azatioprina e
leflunomida (2). O uso de glicocorticoides é efetivo e seus efeitos colaterais devem ser
acompanhados (4). O micofenolato de mofetil inibe a produção de linfócitos T e B,
através da supressão da resposta celular e da resposta imune humoral (9).
Relato de caso
No Complexo Veterinário da Universidade Cruzeiro do Sul, foi atendida uma
cadela, da raça yorkshire, de 3 anos de idade, com histórico de hematúria, prostração,
hiporexia e dor abdominal havia 3 dias, o proprietário relatou também ixodidiose.
Durante o exame físico, destacava-se hipertermia (40⁰C), mucosas subictéricas e
pálidas, taquipneia, taquicardia e esplenomegalia. Realizou-se hemograma, dosagens
séricas de ureia, creatinina, alanina aminotransferase (ALT), fosfatase alcalina (FA),
albumina e proteínas totais, além do exame ultrassonográfico abdominal. Através dos
quais se destacou anemia severa (hematócrito: 17% (referência > 37%); eritrócitos: 2,28
milhões/mm³ (referência > 5,3 milhões/mm³); hemoglobina 5,8 g/dL (referência > 12,0
g/dL), trombocitopenia (129.000 µL (referência > 200.000), leucocitose por neutrofilia
(leucócitos totais: 39.700/mm³ (referência < 17.000/mm³); neutrófilos segmentados:
36.127/µL (referência: < 11.500/µL) e aumento das enzimas hepáticas (ALT: 167 U/L
(referência < 92 U/L); FA: 771 U/L (referência < 96 U/L) e hipoproteinemia (proteína
total: 5 g/dL (referência > 5,5 g/dL), não foram notadas alterações ultrassonográficas
dignas de nota. Suspeitou-se de um quadro de hemoparasitose associado à AHIM
secundária. Assim, iniciou-se a terapia com doxiciclina (5 mg/Kg – BID), imidocarb (5
mg/Kg – 2 aplicações com intervalo de 15 dias entre elas), Prediderm® (2 mg/kg –
BID), suplementação de sulfato ferroso, além de protetores gástricos e hepáticos. Após
dois dias, houve discreta melhora na anemia (hematócrito: 19%; eritrócitos: 2,75
milhões/mm³; hemoglobina 6,53 g/dL), na trombocitopenia (163.300 µL), a leucocitose
por neutrofilia persistiu (leucócitos totais: 35.600 mil/mm³; neutrófilos segmentados:
31.684/µL), e a anemia foi classificada como arregenerativa por meio da contagem de
reticulócitos (contagem corrigida de reticulócitos: 0,80% (referência < 1%: não
regenerativa)). Treze dias após o início do tratamento houve piora acentuada do quadro
hematológico, com diminuição severa na contagem de eritrócitos (hematócrito: 13%;
eritrócitos: 1,8 milhões/mm³; hemoglobina 4,3 g/dL), trombocitopenia (126.000 µL), e
aumento do número de leucócitos (leucócitos totais: 42.000/mm³; neutrófilos
segmentados: 39.480/µL). Ao exame físico, as mucosas estavam perláceas e ictéricas.
Houve a suspeita de que a AHIM não estava controlada, então, realizou-se transfusão
com concentrado de hemácias, e, adicionou-se micofenolato de mofetil (15 mg/Kg –
Instituído a terapia acima, houve melhora gradativa no quadro clínico e
hematológico do animal e 21 dias depois do novo protocolo, a contagem de eritrócitos,
plaquetas e proteína total atingiram níveis normais (hematócrito: 38%; eritrócitos: 5,58
milhões/mm³ hemoglobina 12,5 g/dL; plaquetas 262.000 µL; proteína total: 6 g/dL) e a
leucocitose diminuiu (leucócitos totais: 25.000/mm³; neutrófilos segmentados:
22.250/µL). Após dez dias de quadro hematológico estável, iniciou-se a redução
progressiva na dose dos imunossupressores. Três meses após o início das manifestações
clínicas, o animal se mantém estável com o uso de Prediderm® (0,5 mg/Kg – SID) e
micofenolato de mofetil (3 mg/Kg – BID), o tratamento com sulfato ferroso foi cessado.
A redução das doses dos imunossupressores ainda está sendo realizada, sem recidiva no
quadro. Os efeitos colaterais relatados foram poliúria, polidipsia e polifagia.
Discussão
O caso descrito pode ser classificado como AHIM secundária, em decorrência
da suspeita de sua associação com hemoparasitose, poderiam ter sido realizados exames
mais específicos para pesquisa de doenças infecciosas (erliquiose e babesiose), porém,
não houve aceitação por parte do proprietário.
O aumento sérico de bilirrubina, FA e ureia, além de hipoproteinemia,
trombocitopenia, auto aglutinação e aumento no tempo de coagulação estão
relacionados a um prognóstico mais reservado (2, 4). No caso supracitado, apesar do
animal apresentar aumento de FA, hipoproteinemia e trombocitopenia, o prognóstico foi
Os efeitos colaterais observados durante o tratamento foram polidipsia, poliúria
e polifagia, secundários ao uso de corticosteroide em doses altas. SWANN, J.W. et al,
imunossupressores (prednisolona e ciclosporina, prednisolona e azatioprina e somente
prednisolona) e os efeitos colaterais apresentados estavam relacionados à administração
de corticosteroide, sendo poliúria, polidipsia os mais comuns. Tais achados corroboram
WANG, A et al., 2013(9) realizou um estudo retrospectivo comparando
diferentes protocolos de imunossupressão para tratamento de AHIM e, constatou que o
uso associado de prednisolona e micofenolato de mofetil apresenta resultados
semelhantes aos demais protocolos (azatioprina, ciclosporina, e imunoglobulina humana
associados a prednisolona). O único efeito colateral observado no grupo tratado com
prednisolona e micofenolato de mofetil foi diarreia, a qual não foi observada no caso
SWANN, J.W. et al, 2013(8) analisou 19 estudos retrospectivos sobre tratamento
de AHIM e concluiu que a monoterapia utilizando prednisolona na dose de 2mg/Kg
BID apresenta bons resultados quando comparada a sua associação com outros
fármacos imunossupressores, os quais devem ser instituídos quando o uso isolado de
prednisolona não for suficiente ou quando se busca diminuir a dose desse fármaco para
minimizar os efeitos colaterais. Durante o tratamento, utilizou-se inicialmente apenas a
prednisolona (2 mg/Kg – BID), porém, notou-se progressão do quadro de AHIM, sendo
necessário a sua associação ao micofenolato de mofetil.
PIEK, C. J. et al., 2011(10) sugere que o protocolo de prednisolona e azatioprina
não é mais eficaz que a monoterapia com corticosteroide no tratamento da AHIM, desse
modo, optou-se pela associação da prednisolona ao micofenolato de mofetil.
No estudo retrospectivo de SWANN, J.W. et al, 2011(2) a taxa de mortalidade
após um ano de tratamento foi de 80% no grupo tratado com prednisolona e azatioprina,
45% com prednisolona e ciclosporina e 40% nos animais que utilizaram somente
prednisolona, no caso descrito, o animal se mantém estável após três meses de
tratamento, com melhora dos efeitos colaterais ocasionados pelo uso da prednisolona
após a redução da dose, ainda não se sabe qual será a sobrevida, uma vez que o animal
WANG, A et al., 2013(9), descreveu que 67% dos animais tratados com
micofenolato de mofetil sobreviveram após 60 dias de terapia, porcentagem também
encontrada nos demais protocolos de imunossupressão. No caso descrito, o período de
Em contraste com a recomendação de imunossupressão contínua por toda a vida,
os resultados de dois estudos sugerem que a imunossupressão por aproximadamente três
meses é suficiente(4, 7). No entanto, 10% dos casos apresentam recidiva no quadro de
AHIM após quatro anos da primeira crise hemolítica (4, 10). A diminuição das doses dos
imunossupressores já foi iniciada no caso relatado, espera-se cessar o uso de
Conclusão
A proposta desse relato foi descrever um caso de AHIM tratado com associação
de imunossupressores, e, baseado nos nossos achados, o uso de Prediderm® na dose de
2 mg/Kg - BID e de micofenolato de mofetil na dose de 15 mg/Kg – BID se mostrou
Referências
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